A noite é sede

A noite é sede

e meus lábios estão secos

meus braços são espera

meus passos esqueceram os caminhos

meu sonho ficou em ti

ficou na tua noite meu sonho

ficaram meus dias na rua avessa

e molhada de chuva e vagar

derramei teu nome em cada flor do jardim

chorei

entre soluços pensei vislumbrar o poeta

dos versos, dos gestos,

do nada em que adormeço

desfolhei flores na despedida

cego, pisei o destino como quem pisa a serpente

curei minhas dores com o sal das minhas lágrimas

quando a noite veio de novo

sopesando com parcimônia os indeléveis caminhos escuros

já não chorava

a noite floriu com ímpeto

apagando o rio,

as casas

a letra cansada do poeta

o verso dorido do poeta

o amor apagou-se antes da noite

o amor apagou-se com o crepúsculo

e o pó que subia dos caminhos

a lua, suavemente, adormeceu sobre a papoula

as estrelas cantaram elegias da criação

a noite girou,

emprestou vozes e silhuetas ao sonho

entonteceu-me

recostei minha cabeça na saudade

e dormi

junto ao recordo de ti

para que tudo o que sonhei e o que vivi

não fujam de mim