Cara a cara
O garoto cresceu. Amadureceu.
Segurança. Estabilidade. Certezas.
Passaram ao largo.
Longas pausas, vazios transbordantes,
Saltos e sobressaltos,
acelerações,
paradas,
quedas bruscas,
vertiginosas.
Tudo de uma só vez
para quem tinha sempre braços a ampará-lo.
Tudo foi surpresa,
dissonâncias,
tensão,
choque.
Aos poucos, tornou-se um homem comum.
Carregando numa só maleta
problemas diários,
Pequenas ilusões, alegrias,
risos contidos,
lágrimas teimosas,
E, mais, as exigências pessoais.
Enfim, como homem comum,
Morria um pouco a cada dia.
Uma vez ou outra,
o acaso e o imprevisível apareciam.
Num vislumbre de esperança.
Duravam muito pouco tempo,
Menos do que a eternidade.
Vinham sempre em dupla.
Duplas incríveis na ânsia da vivência:
Felicidade e desânimo;
euforia e tristeza;
projetos grandes,
fatos miúdos.
No mais, uma enfadonha linearidade
de cujo fio tentava, em vão, libertar-se.
Como todo fio da vida, era feito de uma fibra
a qual não conseguia arrebentar,
pois sua natureza não lhe pertencia.
A muito custo acomodou-se àquela continuidade
Embora quisesse outros eus e novos destinos.
Acatava as sensações como vinham,
Libertas de sua intervenção.
Acatava-as, simplesmente,
não se violentava.
A oficina da vida restava inerte e vazia.
Até que um dia, tropeçou
E, cara a cara com as palavras,
Encontrou, em frangalhos, uma brecha de saída.
Agarrou-a ofegante.
Sem pudor, num instante,
deletou o passado inteiro.
Esperou o tempo de gestação
do novo eu.
Ficou feliz com o resultado.
Não era mais um homem comum.
Nem morria mais um pouco a cada dia.