Durmo sem corpo e sem alma

durmo sem corpo e sem alma

pois já não sei a alma que tenho

minha alma é multi e vária

minha alma quando ama fica à flor da pele

alguém em mim deita e rola contigo na alfombra,

te beija com beijos dissolutos

um outro alguém de mim mesmo é grito e agonia, transido de poesia

e que se apaixonou por você

a enésima pessoa entre bilhões deste planeta

girando a uma velocidade de 1.666 Km/h,

se apaixonou por você qual Eros por Psiquê

que não podia ver a face do marido

sob a condição de assim lhe perder

porém, Psiquê, certo dia,

o coração totalmente tomado pela curiosidade,

viu o rosto do marido

Eros, diante da promessa quebrada,

abandona Psiquê

sozinha e infeliz

Psiquê, depois de penar pela vida, entrega-se à morte

caindo em sono profundo

Eros ao vê-la tão triste e arrependida

implorou a Zeus misericórdia

e, com a concessão de Zeus,

despertou sua amada

e viveram felizes

pra sempre?

não sei

o pra sempre é muito tempo

mesmo na mitologia

o pra sempre não cabe entre dois braços

já um abraço pra sempre

pode me afagar eternamente

sempre que você fizer carinhos em mim

mesmo que ausente

o pra sempre é feito de cheiros no ar

do roçar de pele com pele

do balbucio carinhoso durante o amor

do grito de gozo

o pra sempre começa quando termina o fugaz

o pra sempre é o momento presente,

ali, para sempre tremente

o pra sempre pode ser de repente

mas nunca pode ser sem você

o pra sempre é o tempo que a alma leva para esquecer

o pra sempre é

onde vago entre a lua e o sol

tentando responder o enigma

buscando respostar em vísceras

para o segredo que o demiurgo me deu

preciso morrer todo dia

para afastar a tempestade

preciso afastar as nuvens e deixar o céu sempre azul

por que eu moro numa ilha

e quando chove eu fico, literalmente,

cercado de água por todos as lados

inclusive por cima

e eu não quero me afogar antes de 07 de junho de 2016

não tenho tribo, seita ou religião

meu corpo é dois

meu corpo é mais

meu corpo é soma após a divisão

por favor, não diga nada

não diga nada

convivendo com a minha alma,

debaixo do assoalho,

vive a metade que ama

vivem, anjos, potestades,

um anacoreta e as verdades

que a mentira me diz

vivem as mulheres que amo

e seus nomes escritos a giz

me entusiasmei a falar do corpo e da alma

e esqueci do cachorro-travesseiro

(figura esta que, diga-se de passagem, achei linda por demais)

às vezes me sinto cachorro-travesseiro

um cachorro que gostaria de escrever, de dentro do seu sono/sonho,

poemas positivos, ternos, amoráveis, otimistas

mas eu sou um cachorro que tem esta tristeza arrivista

tem tanta sombra no meu dia

tem estes mortos das minhas guerras

os esqueletos desta minha terra

pedindo missa e contrição

tem tanto espelho quebrado

e seus sete anos de azar

queria tanto que o "outro" apaixonado

também pudesse falar

e, mais do que pudesse falar,

pudesse acontecer

lá fora o tempo passando

aqui dentro eu lhes amando

acho que sou um sonhador exilado dos meus próprios sentimentos

aqui estou eu de volta com o meu drama, minha elegia

vamos falar do cachorro que foi para isto que abrimos o parágrafo acima

agora é a vez da voz do cachorro

vamos cuidar bem do cachorro

vamos por o cachorro na cama arrumada

vamos ninar o cachorro

e sua canhestra e canina poesia

vamos respeitar sua raça (se é que tem uma)

eu duvido que tenha

se tivesse uma raça bem posta na vida

não seria de si o seu próprio travesseiro

este cachorro, me parece,

é daqueles que dormem em buracos que fez pelo quintal

que come os resto do almoço

que deglute tua morna carícia e o osso

que abana o rabo quando fulana chegar

(até ai morreu o Neves: abanar rabo todo cachorro abana)

queria ver era o rabo abanar o cachorro

isto, sim, é que seria bacana

este cachorro, como eu, em noites de lua cheia,

uiva e late para a lua

acordando o sono da ru

e uiva, uiva, uiva

até o coração se acalmar

depois procura um dos buracos existentes no quintal

enrola-se em travesseiro

não tendo conta em banco

não tendo nenhum dinheiro

não havendo cadelas no cio

que possam tirar-lhe o sono

apascenta-se com o cricrilar dos grilos

e dormita

não dorme

dormita

engraçado

mudei de assunto,

falei do cachorro,

mas ficou a sensação

de que nunca deixei de falar de mim

fora da vida dita real e dura

só um anjo me segura,

sem delonga, sem firula

para que eu não saia latindo

e abanando o rabo

mijando em poste

implorando carinho (epa! isto eu já faço. acho que o anjo se distraiu)