O caminho que anda sob os meus pés

Como Zaratustra ia eu no caminho e me perguntava: que caminho é este que eu tomei onde as sombras não dormem à espreita de que eu caia e elas me assaltem a alma. Que caminho é este onde o sol, por vezes, esplende e brilha tanto que incandesce e me ofusca o espírito. Não encontro ninguém que ouça e entenda a noite. Passaram-se tantos anos e os vales ainda guardavam a queda. Os bosques são de cinzas e o vento escorre por entre os troncos tisnados. Ardem. Por vezes não encontro água que beba. Por vezes não encontro sono que durma. Minha alma vagueia.

de quando em quando respiro

enquanto percorro e deslindo este caminho

que anda sob meus pés

tenho o hábito de, vez por outra, voltar o olhar para trás

assim como quem espera um possível companheiro

para juntos caminharmos pra longe da escuridão

tantos já percorreram este caminho que ora percorro

talvez não os encontre ali na frente

após uma das curvas do caminho

após o silêncio preso aos meus passos

talvez estejam alguns, ou mesmo todos, aqui comigo agora

se não de quem seriam estas vozes que clamam tanto em meu peito?

estas partes de mim que vêm recolher a minha noite?

enquanto aguardo o luar vestir-me de prata e âmbar

talvez, naqueles tempos de cada um

houvesse luas flutuando hesitantes

mais estrelas cheirando a rios de cor no céu pendoado

no dia também morasse o escuro

e as noites se incendiassem de tanto sol

talvez, alguns dias, a dor fosse tanta

e o caminho fosse a veia aberta e latejante

na têmpora de um mundo insone

que só dormisse no colo do amor incondicional

talvez os dias fossem fogueiras que a noite apagava

que à noite também houvesse um céu para os pássaros dormirem

e mares por onde só se andava de candeia na mão

talvez, naqueles tempos, na bifurcação da estrada,

flores brancas e negras brotassem

umas entremeadas das outras

flores atravessadas pelo vento e pelo silêncio da paisagem

flores se abrindo para os olhos de ontem

talvez um rio nadasse nas águas das chuvas cheias de solidão

a poesia estremecesse ao sair das minhas mãos

talvez a pedra já estivesse no caminho

e sentisse e pensasse e sonhasse

e adormecesse em soluços como o menino que fui

talvez houvesse, entre as pessoas, algumas de olhos azuis,

outras com olhos verdes, muitas de olhos castanhos e negros

e todas olhassem com o mesmo pasmo o firmamento

talvez o caminho seja esta noite inquieta e rumorosa

talvez, de tanto cruzar a solidão da grande ponte

e ouvir a voz dolente das águas soluçando

confrangidas pelas margens do rio

meus passos se esquecem a andar sozinhos e ligeiros

em direção à tempestade

talvez!

talvez o mundo fosse um mistério maior do que as suas ruínas

talvez a consciência ouvisse mais a alma e a criança que espera

talvez o que se disse e fizesse do mundo e do homem fizesse mais sentido

o abismo sempre esteve, sempre estará lá

fendendo o caminho

impuro

escuro

sorvedouro

sem margens

ou memória

de amor ou ódio

talvez eu encontre as chaves da minha cela nesta prisão

talvez não

meu coração se encanta

com a tessitura e o aroma das palavras

que amam os dias

se entregam às madrugadas

que recendem à poesias

e têm, na essência, o silêncio dos timbales

e dos olhos a lê-las

minha alma se espanta

esquece

para em seguida recordar

as noites ao meio dia

o vento varrendo os desertos

e as planícies

derrubando o perfume das folhas

num mundo onde o sol quando se apaga toca o chão

e cheio de chuva e rios e cheio de dor não demora a esfriar