A GURRERA

(REFLEXOS DE HUGO)

Como esses vagalhões titânicos, passados,

Que num crebo rugir, do alto mar despenhados

Por lôbregos tufões,

Coroados de espuma, em linha de batalha,

Se arremessam do cais à placida muralha

Blasfemando trovões,

Assim à atroz peleja, à colossal matança,

Com relâmpagos de aço gritos de vingança,

Aos rufos do tambor,

O exército rolou, bêbedo de fumaça,

Da bombarda ao clarão - formidolosa massa -

Fantástico clangor! -

Trovejam cem mil pés num galopar convulso!...

Um raio em cada olhar, um ferro em cada pulso,

Fanfarream clarins!

Das balas a colmeia assanha-se zumbindo,

Verrumando pulmões, costelas bipartindo,

Atravessando rins!

Trema a terra abalada aos vômitos do enxôfre;

Peito a peito legiões encontram-se de chofre,

Num baque atroador!

Desfraldam-se pendões; sem dono, suarentos,

Desembestam corcéis, crinas soltas aos ventos,

Nitrindo de terror!...

Soldados, generais, cavaleiros e infantes

Nivelam-se ao tombar; vencidos, triunfantes

Rebolcam-se no pó;

De olhos brancos, mordendo os lábios roxeados,

Com os dedos tapando os peitos baleados,

Sem um gemido só!

Das carretas a rola, a pata dos cavalos

Crânios partindo vão com rápidos estalos;

-Avante batalhões! -

E as carnes combalindo e esvurmando os miolos

Os batalhões àvante arrojam-se, nos colos

Levando os furações!

Estupendo clamor! Brutal cacofonia!

Ao selvágem tropel responde a artilharia,

Colunas a ceifar!

Pavorosa hecatombe! Agora, ferozmente,

Uma única vontade impede aquela gente:

Matar! Matar! Matar!

E a catadupa humana alteia-se medonha,

Varre a campina em flor onde o Poeta sonha,

Onde germina o Pão!

Da pólvora a fumaça o horizonte enxovalha;

O mangue ensopa a gleba. assobia a metralha,

Ri-se Napoleão!

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Acabou-se o combate: o sol descamba ao longe

Como um obus vermelho; e o vento, qual um monge,

Principia a rezar,

Principia a rezar, triste e lugubremente,

Enquanto o vencedor vai gloriosamente

Hosanas entoar...

Saltando imprecações, arrancando os cabelos,

Passam Noivas e Mães - dantescos pesadelos -

Mestíssimo coral!...

E dentro da choupana escura a abandonada,

Os órfãos a embalar, assenta-se calada

A miséria espectral!

Ó raça carniceira! Homens mais do que insanos,

Que o místico Jesus, há quasi dois anos,

Em vão tentou domar!

Quando em vós matareis a velha besta-fera,

Quando afinal da Guerra a estúpida quimera

Deixareis de adorar?!

Maio de 1894. (Rimas Vermelhas)

DR. EGAS MONIZ BARRETO DE ARAGÃO (PÉTHION DE VILLAR)
Enviado por Francisco Atila Moniz de Aragão em 21/02/2015
Reeditado em 21/02/2015
Código do texto: T5144996
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