SANGUE
(Paráfrase)
"Mas tu não és a musa do sangue, é ô
Liberdade; tu és o gênio da paz."
(Rui Barbosa)
Tinha a fronte abrasada; uma angústia infinita
Esmagava-me o peito; a alma enojada e aflita
Quis vem se distraia. Além, crepusculava...
Saí: como um obus vermelho, o sol tombava
Num báratro de sangue; o mar - um mar de sonho -
Revolto, transbordando a salpicar, medonho,
De rubro, a terra e o céu Pus-me triste a vagar;
Mas tudo que se erguia em roda, ao meu olhar
Nimbava-se de sangue! Até os que passavam
Pelas ruas, de volta ao lar, todos me davam
Uns ares infernais de espectros assombrados,
Olhos tétricos, maus, pulsos ensanguentados!...
Via em tudo o pavor da atroz guerra civil!...
Procurei a campina em flor onde sutil
Já reluzia o orvalho e onde a relva aromava,
Convidando a sonhar; dulcíssima tocava
Filarmônica ideal dos grilhos e das aves...
Deslizavam no azul umas blandícias suaves
Que o poeta não diz, que verso não exprime;
Porém, - ó contragolpe inaudito do crime
No fundo da alma humana! ó reflexos fatais! -
Nada me apaziguava: o ar, a selva, os rosais,
Vesper pirilampando, esse meigos rumores,
Essa melancolia, esse idílio, essas flores,
Tudo isso me irritava: horripilada, presa
De um agonia infinda, a própria Natureza
-Terrível obsessão! - morta me parecia!
O sangue! sempre o sangue! o sangue em tudo em via!...
..........................................................
Fiz talvez uma legua á toa, inconsciente,
Pelos campos andando automaticamente:
Torva crescia a noite; as estrelas douradas,
Sobre um veludo negros e lúgubre picadas,
Tauxiavam, a arder, do céu a borda informe,
Como pregos de luz de um ataúde enorme...
A terra onde no chão dormiam estiradas
Grandes sombras sem fim entre árvores caladas,
Semelhava uma arena após uma batalha.
Ia-se abrindo a bruma - esquálica mortalhas -
Ondulante, espectral - Súbito apareceu
A lua a escorrer sangue entre nimbos; e o céu,
Como um crepe, descendo, inconsútil, pesado,
Fechou-se sobre mim...
Parei alucinado!...
Segui pela noite em fora, aquela alvar
Cabeça decepada, a rolar, a rolar!...
1893. "Rimas Vermelhas"