Quase Ela.
Nessa vida-torta
ela nasceu mulher
não caberia outro destino
mesmo brincando de ser menino
o coração teimoso, difícil
as unhas sem pintar
os cabelos presos
os lábios sem cor
cresceu assim
entre galhos de árvores
carros, cicatrizes e muros
com a alma presa numa gaiola de porcelana
pedindo liberdade
clamando por mais tempo
querendo voar sem rumo.
A bailarina pintada de sonhos
só queria ser viajante
a bonequinha com vestido de seda
só desejava sair da estante.
Mas o mundo tomou o coração à laço
pintou-lhe as unhas de vermelho-sangue
soltou-lhe os cabelos
e bordou a face tal rosa primeira do jardim.
A ela foi dado nada mais que um Amor de botequim
daqueles que entram, pisam e depois saem cambaleando
nunca se deu com as mais femininas
corria às ruas
sentava-se às mesas com companhias masculinas
sob olhares de julgamentos
mal sabiam eles que era ela daqueles rapazes, o mais sonhador
era atriz, de delicadezas grosseiras
de rudes sutilezas
fingia ser mulher
fingia ser flor
o Cravo bordado de Rosa
nessa vaguidão de mundo que a tudo mascara
num tempo qualquer que nem era seu tempo...