Não quero tribos nem seitas

Não quero a perversidade das tribos

a algaravia das tribos tangidas de cá para lá

de lá para cá

acorrentadas à esperança inerte e sonsa

e intuí que a mixórdia e a hipocrisia moram lá dentro,

na casa grande/mansão e na senzala/favela

como um diabo habita os infernos de trevas nebulosas

e por vezes me transcende e me ilude,

astuto e velhaco como cabe ser a um bom diabo

Não quero a impostura das tribos

Nem a mendicância dos fragmentos do tempo

Não quero catar a semi luz da lua nova que esquecestes

na escuridão refratada nas noites de vidro opaco e denso

A minha bandeira e o meu emblema

são estas letras/palavras/verbos raspados a garatujados livros,

são esta tentativa anímica de me entender poesia

são estas melancolias vertidas nestes signos azuis

onde a cor não está na cor,

está no feixe de fótons sobre as células

e no movimento dos átomos

delineando frequências de ondas

que interpreto como a cor das letras do poema,

que misturo na paleta retórica do trivium

e subverto os oximoros os quais me expressam

et toute les formes de solitude

onde os dialetos se misturam

(Parlez-vous français?) e tudo e nada dizem

Não quero a inclemência das tribos

Meu clã sou eu

e esta solidão de pedra, pó e caliça,

e este exílio de mim mesmo,

e a minha humanidade,

em tudo que ela tem de bom e de ruim,

incorrigível no que tenho de pior,

impenitente e tacanho

menosprezado no que me resta de meu:

algumas palavras roubadas e um discurso sandeu

Não, não quero tribos, nem seitas

Apascento-me na solidão

entre a sozinhez da ilha ingente e insana que sou

e a vastidão do mar antigo e vermelho,

aos olhos de um sol,

esfera perfeita e intransigentemente vermelha

num fim de tarde de outubro

sob o cosmos e seu todo o tempo do mundo

e solto como estrelas a adernar

na longa viagem do inicio dos tempos,

das nebulosas às super novas

navegando num céu difuso,

até o momento em que eu, você e o cosmos

sejamos "simplesmente" poeira de estrelas

tal qual um sol geofágico que

um dia nos engolirá antes de morrer

Não quero a tristeza das tribos

Queimei as minhas aldeias

Minha tribo é meu medo obscuro

de ser esmagado pelas vaidades,

pelas veleidades indômitas

e pela insuportável "realidade" que palpita,

neste deserto perene sem o lenitivo das estações

onde as areias caminham

pelos caminhos das aragens

e por onde os olhos vermelhos das tardes

acompanham o serpear ligeiro da serpente

sobre o extenso leito de areia calcinada

Não quero a vida cediça qualquer que seja a tribo

Não quero a semiologia e a subserviência das tropas em marcha

Não pertenço ao latifúndio canhestro

e derruído de um mundo rendido aos proxenetas,

nem à noite consternada

com o canto do pássaro no escuro rútilo da madrugada

replena de sons e pulsares e tambores estelares

embalando o mundo inteiro

e a flor interrompida

pela neblina plangente do inverno cinza e seus sufocantes gemidos

Não quero nenhuma tribo soturna

nenhum clã, nenhuma nação

Não quero a cegueira noturna,

a cegueira in/condicional,

a cegueira escuridão pondo fim às cores do dia,

pondo fim aos dias que vinham do mar

Minha tribo sou eu

e este silêncio agônico e interregno,

desatento

onde versos se esboroam

e em grãos são levados pelos ventos,

grafados em palimpsestos

e me devoram a razão

na aporia dos sonhos

ensimesmando meu coração

anátema que fui, que sou, que serei

sem um céu surreal como ilusão