Muros

Derrubaram "o" muro

com golpes de picareta,

histeria,

discursos propondo o "novo"

com cheiro de velharia

Derrubaram "o" muro após 28 anos de delírio e isolamento

"Caiu o muro" (dizem)

O homem,

este ser separatista e segregacionista,

é que parece nunca cair (em si)

E, "terminada" a guerra-fira

requenta o que sobrou

da nefasta hipocrisia

da sinistra tirania

da funesta vilania

da sopitável apatia

Requenta, em suas estranhas entranhas,

a mentira de uma pátria

a agonia dos jogos de poder

a piromania das guerras

"Caiu o muro" (é assim que falam)

Porém, antes que se dobre a esquina (murada, por sinal)

os homens, amnésicos, erguerão outros muros

tijolo a tijolo,

pedra a pedra

sobre a caliça do muro derreado sobe outro muro

engendrado em belos discursos

ambíguas intenções

caiados de empedernida diplomacia e circunlóquios

e pleonasmos

muito bem articulados, no entanto

Muros separando a gram(n)a verde do próspero quintal

da miséria estiolada e purulenta que escorre pelos esgotos

que daqui não se enxergam, mas que, quando sopram os ventos,

sente-se o cheiro das cloacas e das pessoas abjetas do lado de lá

Agora escoram de todas as formas o muro que ameaça se esboroar

e de onde do outro lado escorre, das secreções humanas e da estupidez milenar, o ebola

que se enrola e se embola na baba viscosa e corriqueira da morte

Rebentam outros muros onde antes cresciam violetas e eldeweiss

Há rumores de que os muros da pobreza e da fome,

arquitetados com indiferença e descaso,

segregam, em suas mansardas, 790 milhões de pessoas,

enquanto 1/3 do alimento produzido no mundo vira lixo,

salvo erro ou salvo engano do homo sapiens sapiens,

1,3 bilhões de toneladas de comida são jogadas no lixo por ano

E os muros vão se somando às pedras do que caiu

Nas cidades os muros se sucedem tragando e calando os dias,

acoitando a escuridão,

caminhando com as sombras e os perfumes das meninas que logo chegarão

com seus sapatos despudorados,

vestidas de perfume barato,

sussurrando amores qual pura pucelas,

chegam e recostam-se aos muros negaceando suas preciosas bucetas cheirando à urina

Os muros apagaram o sol

e as paisagens dormiram,

os cães, do outro lado do muro, ladram para os pederastas e proxenetas

que contabilizam as trepadas e a mais-valia das bucetas cheirando à urinas das meninas

Somos 7 bilhões de habitantes no planeta

Sete bilhões de homos sapiens sapiens

(homem sábio, é assim que, pretensiosamente, nos denominamos)

persignando-se insontes diante dos muros,

Uns por desconhecimento, outros por malícia e astúcia,

enquanto Philae, o robô, pousa no cometa 67P/churyumov-Gerasikenko,

após uma viagem de 10 anos, 6 bilhões de quilômetros percorridos,

ao custo de 1 bilhão de dólares,

a espreitar segredos primevos que nos revelarão o pó e a pedra, a poeira e o gás

Os cientistas, no centro de controle (murado), vibraram com a façanha como se tivessem servido

um prato de comida a quem tem fome,

ou como se tivessem feito pousar em pleno deserto um copo d'agua para o viajante sedento

Aonde nos levará tanta ciência?

Há outros, ainda, que por tédio

aborrecimento

fastio

intransigência

egoísmo

mesquinhez

medo de sentir medo

erguem seus muros em volta das casas,

dos quintais,

dos rios para que não cheguem ao mar e libertem as terras roídas às margens

da brisa para que não desate no ar o lirismo inteiro da poesia

de tanta manhã e de tantas tarde inefáveis

da folhagem que o vento levaria

dos sonhos que se poderia sonhar

dos conceitos nos quais se poderia pensar

da voz do povo para que não se possa escutá-la

do ateísmo

do fanatismo em nome da fé

Erguem muros

sobre a palavra

que poderia nos resgatar

Erguem muros de sevícia e ódio

de ciência e dor

aprimorando e açulando a Bomba que, um belo dia,

servirá o cogumelo

em nossas mesas de jantar