De que me servem as palavras?

De que me servem as palavras

se vão partir para morrerem solitárias

e esquecidas logo ali adiante?

Com quantas palavras me espanto

ao saber que o robô pousou no cometa

e captou a sua voz antiga falando a fala dos poetas?

Do que eu já disse quanto despiu-se ao teu coração?

Quanta palavra mata a fome de um estória?

A palavra me conta desde que eu era menino

e o mundo morava onde eu morava

e o mundo acabava onde eu acabava

e cabia, com idioma e brasão, dentro do meu sonho

A palavra é margem ou é rio?

A palavra faz em mim calor e frio

Faz a insônia nas noites

Desfaz a insânia crassa e anacrônica da vida

A palavra começa antes da boca e da mão

e é inacabada e infatigável como a solidão

A palavra começa

antes da luz regressar à retina

e escrever em meio a lençóis, afagos e abraços

o nome da negra noite

nos olhos negros da menina

De que me servem as palavras quando,

solitárias e esquecidas, morrem,

ali mais adiante,

menino e amor?