EU CONFESSO
...
 
A literatura estragou
[minhas] melhores horas de amor...”
Já li esse verso tantas vezes
que até perdi a conta.
E então fiquei pensando
se valeu a pena o clamor
com que escrevi tanto.
Ah! Drummond inda me afronta...
 
Não importa, mas escrevi
e enquanto eu escrevia,
é verdade que o tempo
foi passando pelas estações...
Agora já é verão e apesar disso
penso que eu não via
que se ia como o rio
todas as minhas doces ilusões...
 
Sinto então o despertar
da existência que me exorta;
e Drummond inda me olha
c’ seu sentimento de mundo
e me diz: “ tens pressa
de confessar tua derrota”...
E eu confesso,
e tal como um seixo me afundo...
 
 
 
 
( Grifos: Carlos Drummond de Andrade)