Um passeio sobre as folhas caídas do tempo
Há, em mim, um aposento secreto
Que não sei ao certo
Se é um jardim ou uma biblioteca
Ou uma floresta ou da estrada o fim
Erguem-se folhas majestosas
Da mais pura alvura
Com a letra mais pura
Escrita nos caules
Sob as copas frondosas
Descanso meu fardo, que de tão pesado
Curvou-me as costas
Alivio minha saudade de tudo
No cheiro terroso de peroba
No cheiro da poeira das tuas prateleiras
No escuro das gameleiras
Do meu quarto secreto
Ouço os ruídos do tempo passado
Silvando por entre as rachaduras
Das paredes e do teto
Dedilhando minhas amarguras
No encanto do meu passado
No meu pecado secreto
Há, ali, organizados
Os amores irrealizados
E os irrealizáveis e os abandonados
Todos pendurados
Nos cabides do meu passado
E me recordo, abismado
O fogo no peito, o frio no passado
Que tu andavas sem preocupação
Os pés descalços
Sobre o chão de minhas memórias
E pisavas nas minhas raízes
E dançavas nos meus anseios
E caías, leve e implacável,
Nas folhas secas de minhas histórias
No alto, voando
Passam os vultos incertos
De todos aqueles que vieram e não viram
O meu jardim secreto
E caminharam na estrada depois do fim
E remexeram nos livros empoeirados
Do Mago do Tempo
E pisaram nas flores natimortas
Esgueirando-se por entre as árvores em mim
E tudo isto fizeram
Sem que pudessem ver
Que alegria destas folhas em branco!
Que sensação sublime de ter a certeza
De poder rever para sempre minha poeira querida
Sobre os galhos retorcidos
E os meus sonhos de triste beleza
Tudo tão meu, tão minha vida
E tu caminhavas nas minhas lembranças
E eu caminhava contigo