MARINHA
Desce a Noite enrolada em brumas hibernais...
Trágica solidão, vago instante sombrio,
Em que, tanto de medo, o olhar não sabe mais
Onde começo o mar e onde acaba o navio.
Nem o arfar de uma vaga: o mar parece um rio
De óleo; oxidado o céu de nuvens colossais,
Um zimbório de chumbo acaçapado e frio,
Escondendo no bojo a alma dos temporais.
Nem das águas no espelho o reflexo de um astro...
Apenas o farol,no vértice do mastro,
Rubra pupila, a arder, dentro de uma garoa.
E lá vai o navio espectral, lento e lento,
Como um negro vampiro, enorme sonolento,
Pairando sobre um caos de tenebras, à toa.
1900.