Entardecer faminto de madrugada
Madrugada coração mente
Uma fome, me diz uma fome
Come-me pelas beiradas, agarra-se aos meus ossos
Como, mas não é a fome do que comer
Dou as mãos à minha menina
Que brinca com minha fome sem saber o que é a fome
Sem saber que a fome existe
Mas não é a fome do meu amor
Escondo-me em filosofias de existir, ser e não-ser
Em ciências de usar, replicar e teorizar
Em métodos de limpar as minhas mãos
Mas não é a fome de preencher o abstrato
Bebo, brinco, burlo regras
Saio, sumo, sigo retas
Mas não é a fome do que não sei
É um buraco negro em mim
É uma necessidade sem direção, sem nascimento
Que dói-me e anima-me
Esquiva-se no prazer do sexo
Ri-se de tudo em mim
É uma fome grande demais
Tão grande que se eu me esforçar um pouco
A vejo como um arrebol de penumbras tristes e cores vivas mortas
Esgueirando-se pelas mochilas nas paradas de ônibus
E caindo pelos vãos das casas de paredes mofadas
Um arrebol morno de uma tarde anátema
E uma dor nonsense de ver o arrebol
Dói-me sentir a última hora da tarde
Não sei porquê; não tenho traumas neste tempo
Dói-me ver as nuvens claras escuras
Pra que existe essa dor de fim de tarde?
Pra que existe minha fome buraco negro?
Madrugada mente
Amanhã já não mais
Agora madrugada
E minha mente sol
Triste, no escuro
A pensar no arrebol