Eu nunca te disse

Eu nunca te disse

do momento que continha todo o tempo do mundo

e dentro da quimera do mundo o poeta

que ainda se sobressalta diante das palavras

que tombam nas folhas de papel como o fruto maduro tomba no chão

como tomba o silêncio no vácuo

silêncio que só subsiste fora do poeta

eis que em seu peito viceja a angústia onírica da imanente solidão humana

e o instante atemporal sem princípio nem fim

o poeta busca nos signos a Verdade que una a palavra ao ato

e junto ao poeta e a Verdade que o poeta busca

e ao pranto que chora as trevas obliterando a visão

a página inelutável e indelével do Destino

indizivelmente imarcescível

demoradamente silenciosa

descomedidamente incoercível

onde habitam

o tempo impregnado de designíos

os imperceptíveis liames do medo

a sombra e a luz

onde adormecem sobre o mar branco

os ventos que andam na brisa fulva

e traz a dádiva ou a sina

conforme leiam a página a mente ou a alma

Eu nunca te disse

do momento intenso da madura manhã

que se levanta no horizonte

onde repousam os astros

depois dos passos antigos e escuros da noite

palimpsesto que se raspa e não se apaga

e se mantém

e se acumula

no Livro sempre inconcluso e indecifrável a que chamamos Vida