Cinco anos
Brincam os dias
dos meus cinco anos
respiram na rua de terra
caminham irisados pelos ventos do deserto
que se estendia em minha volta
fizesse o que fizesse
por mais águas que lhe desse
enchia-se mais de desertos
o meu deserto sem nome e sem amor
Choram os dias
dos meus cinco anos
de medo,
de angústia,
de dor
a pedra atirada
contra as paredes do mundo
as ranhuras da linha na mão
um pequeno punhado de barro
um graveto
para quem tem fome de sonho é pão
Correm os dias
dos meus cinco anos
tão bela é a bola e o mar
e o aroma do sol
empapa meu corpo
iludido e solitário
correm os dias,
estes enormes dromedários,
a manar estes momentos de ternura
Cinco anos...
a alma estilhaçada
a infância sorve a chuva na tarde tímida
que caminha para a noite a passos largos
nas bordas do mundo vai sangrando o ruído escuro
da violenta figura com o golpe irrompendo da mão
a tua figura se desfazendo como um grito reverberando
no vazio da tua inexaurível truculência
empilhar as dores
engolir o soluço
sufocar
nos meus olhos cinco anos de melancolia
e desamparo
na minha (des)ilusão,
sem rumo,
na neblina dos meus cinco anos,
no silêncio das noites longas e inquisidoras
onde a emoção preenchia todos os escuros
da noite esquecida do sono
na noite onde inventava outras vidas
eu só queria te amar
A garatuja do tempo gritava outro dia
chovia a chuvarada e a beleza das águas
fazia da manhã as praias da minha infância
depois da chuva punha barquinhos de papel
rumo a um mundo que só havia dentro de mim
ouvia o som puro da água e dos torrões de terra
que a chuva deixava cair
junto com a minha solidão
invisível como a sede e a recordação da água
Cinco anos suplicando,
esperando a tua atenção e o teu afeto
eu era apenas um menino que cantava baixinho
e inventava histórias para dormir que só a noite escutava,
histórias de animaizinhos solitários e com medo
onde no final o amor se revelava e enchia a noite
e os animaizinhos da noite de aconchego
e o sono vinha como uma saudade
que ia se desfiando e doendo aos pouquinhos
eu era apenas um menino que ouvia segredos
que ondeavam na formosura das tardes
onde o vento flertava com os cravos no canteiro
e sonhava mistérios
nas noites onde as palavras tinham alma
e onde a alma dizia coisas
despedindo-se da madrugada
coisas que ouvidas em silêncio, terna e atentamente,
bem que podia ser poesia
Cinco anos...
nunca me destes a mão
a não ser para me fazer morrer com a outra
ou para o opróbio da benção sem nenhum amor
sem admiração,
sem respeito
apenas espanto
medo
e humilhação
oscilando as fadigas da raiva e da dor
a alma sufocada e oprimida
soluçava na angústia de se expressar
doíam-me os ossos, a pele, a alma
mas o que mais me doía
era não poder te amar