Espiral

Não tenho tantas certezas

Tão pouco tantas verdades

Não tenho dogmas

ou doutrinas

que não possa tremer de encanto,

espanto e medo

diante da inexorabilidade da morte,

diante da imponderabilidade da vida

Por onde é que se começa a destrinchar e mastigar a vida?

Em que ponto do banquete se começa a deglutir a morte?

nesta festa de canibais embriagados e ególatras

onde brincamos de deuses descrentes, padecentes, quem sabe?

A morte fusionando a vida,

consumindo a vida irresoluta,

atada a um fio de esperança

e um novelo de solidão

E ninguém vê

Todo mundo quer ir por céu,

mas ninguém quer morrer

Só o outro morre,

por que a vida é mesquinha, assim

Me diga onde é que é vida?

Onde é que é morte?

Quem é que sabe o segredo, a mentira destes mundos?

Quem sabe se tem outra vez

entre tantos nunca mais?

Destino sem denotação alguma

Quando menos se espera a morte bate à porta

e se não abrimos, ela, com intimidade,

pega a chave embaixo do capacho

antes que possa

cumprir a jornada dos dias úteis (útil pra quem patrão?)

bater ponto o mês inteiro

confundir-se ao dinheiro e à ganância ingente

descolar um amor descolado

pra depois do expediente

quando a noite já cansada

adormece para o amanhã

Amanhã...

Um dia pra ser feliz

Lá adiante

Bem pra frente

Quanto tempo ainda

para que a sombra se deite sobre a luz

e os ponteiros do tempo

sirvam de cravos a nos pregarem na cruz

Me comovo

Guardo o milagre

nos lagos cintilantes onde o sol flutuou,

ígneo alcobaça cobrindo as águas com o brasil do fim de tarde

deslindando a alma encarcerada

na parábola e no mistério,

mestre e discípula

a alma suscita lembranças

da flor antes mesmo da flor ser flor

da última expiração

precedendo a primeira inspiração

vida e morte

noite e dia

luz e sombra

yin e yang

acendendo e apagando mundos

Tem vidas (e cada vida é um mundo)

que duram milionésimos de um segundo

e também são pra toda vida

como toda vida é pra toda vida

Cientistas,

misturando teorias e pitacos a bilhões de dólares,

hão de encucar,

ruminar e deitar farolices

para quem quiser ler ou ouvir

sandices desatando nós

Hão de arguir, quando o sol esfriar,

quem somos,

donde viemos,

pra onde vamos,

gênese e apocalipse da vida

A vida, sem explicação, é para toda a vida

até que uma nova estrela, já morta, nos deixe ver sua luz

transformando em energia o que era agônica consumação

num cosmos de bilhões de anos

Fecho os olhos e aspiro o perfume da flor

adubada a estrume

A vida, por um momento, se explica,

faz sentido

quieta e sem luz

como um útero primordial

pulsando a noite que desprendeu o dia