O tempo está morto

Passou o tempo

Passei eu

Passamos todos nós

Passaram as árvores na estrada

que vai de lugar nenhum a nada

Passaram as minhas estórias nas noites que dormem nos livros,

na folha seca amarela-dourada do outono à espera das borboletas,

na folha cônsona ao sono,

na insidiosa e consabida agonia

Passou o aroma da flor na brisa azul da razia fria do dia

Passaram as cores do dia nas flores da cerejeira

Passou a essência do sândalo

nos lençóis postos de lado com os pés,

carinhos esquecidos sob fronhas de linho e organdi,

sussurros murmurados tão docemente,

miragens de um amor que já não comove

Passaram as pedras seculares dos caminhos,

das torres açodando os céus

que amanheciam entre a neblina e as gotas de orvalho

solitárias caindo com o vento no chão da manhã

Passaremos muitas vezes, sondando o que veio antes,

prenunciando a ilusão do futuro,

e nos perderemos ao nos percebermos sozinhos,

inelutavelmente sozinhos,

tentando descobrir da onde vimos

para onde vamos

Aonde estão as arcádias para nossa moradia?

Passou a vida,

pequena demais,

fugaz demais,

frívola demais

A caliça da existência pretensamente eterna,

incomensuravelmente friável

Passou o tempo,

criando séculos, histórias e estórias,

a adaga esquecida da memória

O tempo exaurido e asceta tartamudeia preces

aos Deuses silentes

criando e recriando pétreos mundos,

eis que basta o pó para que haja estrelas e planetas

e galáxias tão distantes para aonde irei pra me encontrar,

como o filho e a dor do filho ausente que um dia volta ao lar

O tempo avaro manquadra sobre o que te digo sem saber,

sobre o poeta que não sou,

conciso,

esboroado,

ausente e deposto

Lavo com as lágrimas o meu rosto

e rego a flor da melancolia

O tempo não passou...

...o tempo está morto

Donde vem esta agonia?