MEU DEDOS SE ENFURECEM...
Em meu ofício de escrever
(essa arte às vezes taciturna)
exercido agora nesse verão,
meus dedos às vezes se enfurecem
porque sabem que nessa estação
tudo é tão livre.
E eu não sou totalmente...
Eles sabem que os amantes se dão
e não existem mágoas,
apenas desejo e paixão...
E eu tenho mágoas
que impedem meus orgasmos,
embora tenha desejo e ilusão...
Meus dedos se enfurecem
porque me acostumei a carregar
essas mágoas no coração...
E penso que não sabem escrever
outra coisa...
Mas pelo menos quando escrevem
não é por glória ou pão
e nem por salário ou encantos,
mas algo tão secreto que nem
eu mesma sei...
Pensei que fosse dom... Talvez não...
O que sei é que se enfurecem
e escrevem, escrevem
como se cantassem a mesma canção...
Agora, por exemplo, escrevo estes versos
e parece que meus dedos
enlaçam todas as dores...
Até mesmo as de um velho cão
que passa agora perdido pela rua...
E eu sou tão perdida quanto ele
pelos becos da maldição,
e apenas insisto em descortinar
a alma que às vezes choca-se
contra os muros cheios de heras
e fica assim meio no alto, meio no chão...
E talvez por isso,
enfurecem-se os meus dedos;
porque querem também
escrever preces de água,
de relâmpagos ou de trovão...
Porque querem se molhar
na tempestade até encharcarem-se...
Porque querem o grito
das gralhas e gaivotas...
Porque querem seguir o vento
sem qualquer direção
e chocarem-se nos barcos em alto mar...
E morrer, morrer assim, por instantes,
no gozo máximo de escrever...
( Imagem: google)