Delírios de alguém que bebe
A vida diluída em copos de absinto
que bebo madrugada a dentro
e me transborda o copo
com as dores do mundo.
A prostituta não me assusta
mais que o mendigo na esquina
Ele não me assusta também
mas escancara em mim
toda minha fragilidade; sou fraco.
Os resquícios de lembranças
plantadas em vasos chineses
não trazem na flor que desponta
o doce cheiro da relva molhada.
Outro amanhã aguardo como o poeta
a espera da palavra há muito calada.
Que será tão aventurosa ansiedade
que o peito já não suporta o coração?
É tarde, e a lua cintila no céu
a luz que falta nos casebres
dos operários que dormem e sonham
com outro amanhã de primavera.
Nas avenidas carros passarão
sobre o asfalto negro do progresso
que não sacia a fome daquele na fábrica,
porém, do outro no escritório,
também não sacia; ele quer mais!
O mendigo que eu vi na esquina,
disseram-me que saiu em busca
de abrigo num viaduto próximo.
Saio pela madruga a procurá-lo,
e o encontro dormindo o sono leve
das crianças que sonham com o novo brinquedo;
olho e saio, o absinto já fez efeito.