Flores e alfaias

rumores de outubro no céu da noite antiga

o vento passa e com ele

a primavera flana por entre as flores

inadiável, aspiro o perfume da rosa

na respiração da noite,

na brisa inocente

ou nos versos

onde banho as minhas lágrimas

e queimo o mistério

que traz a aurora

embora a madrugada

ainda procure e traga, enternecida,

a lua posta no céu para ti

olha que a tarde goteja o verde dos pinhais,

inelutáveis

o poeta deslindou tanta palavra

e tanto signo

e ouviu anjos

e as canções que vinham com as manhãs

e recriou a criação do demiurgo

para ti,

só para ti

de que matéria poderia o poeta criar rosas

e lhes dar perfume

se não da tua meiguice

do teu corpo desnudo

e banhado nos sonhos

que adormecem em teu silêncio

para ti são os ribeiros e a lua

e o dia amanhecendo

entre os ramos e o orvalho

derrubado pelo vento fatigado

de percorrer a noite azul

dando perfume aos roseirais

a última estrela ainda brilha

a cidade suspira dorminhoca e sonolenta

o céu inacabado e sem contornos

aos poucos se revela e sangra lentamente

enquanto a luz vacilante discorre cores

fulvas no crepúsculo da manhã cinza opalescente

o dia espia as sombras se dissolvendo

e se diluindo ante os olhos negros da madrugada

o dia desperta e afaga as flores

com extrema ternura

trinam os pássaros

o mar cintila purpúreo

sob o azul aonde começa o céu

o dia nasce

a luz frágil da aurora alumia as rosas

é tua a manhã que se deita devagar

por sobre o mar

foi pra ti que se fizeram doces os lábios ternos da poesia