Não sou artista
Quem me dera ser esclarecido
Como aqueles que me educaram.
Ser estudioso e favorecido
Como os gênios que me iluminaram.
Que me mostraram o que é preto e o que é branco
O que é mentira, o que é verdade.
O que é montanha, o que é barranco,
O que é indigno e o que é prioridade.
Aquele seriado que assistia
Com os meninos da minha rua,
A adrenalina que sentia,
A animação pura e crua
Ao ver o herói batalhar horrores
E ouvir músicas excitantes.
Sentia-nos fortes, predadores,
E desferíamos golpes fulminantes.
Essa emoção que eu sentia,
E que quero causar no mundo,
Explique-me o que é isso, tia,
Que me arrepia lá no fundo!
“Não é arte!” ela me disse
Com seu ar de superioridade
“Isso é para as massas burras,
Não é artístico de verdade.”
“É ação pobre e barata,
Espadas brilhando sob a luz do sol
Não é uma visão abstrata,
Não é subjetivo, seu mongol!”
E aquele jogo que eu jogava
Com trilha sonora cativante,
O personagem que eu amava
Ilustrado em maestria exorbitante
Um conjunto louvável
Do trabalho de cem artistas:
Meu argumento irrefutável
Para desbancar esses pensadores autistas.
“Não é arte, está errado!
É design, aprenda logo
É só um jogo, seu retardado
Por que contigo dialogo?”
“Evidentemente deve ser dominado
Um grande número de processos artísticos
Mas é só entretenimento abobado
Para crianças sem dotes físicos!”
Mas, ó mestre, e o filme que ontem assisti?
“Não é arte, não é arte! Robô gigante não é arte!”
Mestre, ó meu mestre, e o livro que ontem li?
“Não é arte, não é arte, pôneis coloridos não são arte!”
E chegou a hora em que percebi
Que consumir não era o suficiente para mim.
Eu criaria histórias, foi o que decidi,
E seguiria esse rumo até o fim!
Mas com o turbilhão de emoções em meu peito,
Histórias não seriam o suficiente
Para descarregar o resultado de ser imperfeito
E em palavras expor o subconsciente.
Poetizei. Escrevi sobre sangue e gritos histéricos,
Deuses ancestrais, dúvidas, dor e tristeza,
Pus, sangue, horrores e mistérios feéricos,
Uma musa intocável e sua indescritível beleza.
O meu jeito louco de amar,
As crônicas de um herói
Os Contos da Névoa, a chuva, o mar,
A insegurança que tudo destrói.
Mas “não é arte!” me disseram
Críticos de todas as partes.
“Você não escreve como os que imperam
Você não domina como fazemos artes!”
“Não é verborrágico, não gosta de Machado,
Suas estrofes são todas mal contadas!
Achar que só sentimento faz poesia é errado
Fores contaminado por vídeo games e outras burradas!”
“Te falta elegância, te falta suavidade!
Te transborda a teimosia pertinente à idade.
Acha que domina tudo, mas no fundo nada sabe,
Quer ser um pioneiro, mas a ti esse papel não cabe.”
Sentei e pensei. Teriam razão?
Minha escrita é de fato destemida e violenta.
Teria eu falhado em minha missão?
Teria eu criado apenas uma besteira flatulenta?
Escrevi de coração, disso eu sei e sempre soube,
E haviam muitos que elogiavam o que eu fazia!
Teria eu escolhido uma posição que a mim não coube,
E só exibi burrice pensando ser poesia?
Estariam certos os Mestres e Doutores
Sobre sua definição de artístico?
Não haveria espaço, senhores
Para dragões e um épico místico?
O subjetivo não é a alma da arte?
Então porque apontam e desvalorizam?
Porque fazem todo esse coarte,
Porque desacreditam, por que pisam?
Foi quando criei meu manifesto
E jurei sempre perturbar.
E é por isso que doravante infesto
De irreverência minhas obras sem hesitar!
E se acharem que não é arte, que achem!
Ainda encherei minhas estrofes de poder!
Não importa que não me encaixem!
Mandarei quem tentar me parar se...
...
...
...
... ferrar!
Ver a nossa natureza no horrível é assustador,
E é por isso que existe uma beleza no absurdo.
Foi assim que decidi escrever terror,
Porque foi ele que estilhaçou meu mundo.
Talvez estejam certos,
E sou sonhador demais para ver.
E talvez um dia desperto
E aprendo a, de fato, escrever.
Mas isso não quer dizer que vou parar,
Pois para mim poesia é aquilo que vem do peito.
Os odiadores vão odiar,
Eu vou evoluir, mas não deixar meu conceito.
E por enquanto sou o pistoleiro,
Não serei o último, tampouco o primeiro.
Eu admito para o mundo inteiro:
Não sou artista, sou arteiro.