NA NOITE PASSADA
“Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!” Álvaro de Campos
NA NOITE PASSADA
Inundei o quarto com vozes vorazes
do Passado.
Seria eu capaz de morrer
entre um sussurro
e outro?
Meu sentir lacrimejava
antigas falas
soluço a soluço.
Ouço-as
e me calo.
Talvez devesse menos vida
ao vivido do ouvido extremo.
Talvez.
Talvez tenha morrido
mais do que devia.
Talvez
tenha feito da voz iludida
a desverdade da companhia.
Talvez
tenha deixado o charme
do Passado
me capturar,
me extenuar,
me dominar.
Nunca estive só.
Fingia estar só.
Perambulei
com o transparente de mim,
aborrecidamente
transparente,
absurdamente
transparente.
Nessas dissonantes teias
sou mosca
sem tempo de aranha.
Mileite