''Mar vermelho''
MAR VERMELHO
O velho era louco?
Ou estava bêbado?
Do fundo do estabelecimento
Enxergava sua feição
Encharcada em desordem
Era possível ser um surto
momentâneo
Um colapso nervoso
Talvez?!
Acredito ser a realização
de instintos primitivos
Não passava outra coisa
na minha mente
Somente a feição enigmática
Embora,aos arredores
o pânico tomava conta
Consegui manter o controle
Estava fascinado
Até ouvir o choro de um bebê
Não era pra menos
O disparo da R-15
estourou os miolos da mãe
Que deslizavam sobre o pequeno
Que mulher burra!
Nem para apreciar o momento
Essa mania de gritar
quando o perigo se aproxima
É completamente ultrapassada
Eu ainda me mantinha fascinado
Só que agora,apaixonado
Aquela cena moldada
na minha frente
Era digna de uma atuação excelente
Maquinalmente ensaiada
O melhor estava por vir
Por um segundo,
ele espumou pela boca
E seus olhos extremamente dilatados
Faziam uma panorâmica do local
Instalado o desespero
Crianças se encolhiam
sobre as coxas dos pais
Por sua vez,os pais fingiam
ser valentes
E tentavam controlar o homem
As mulheres choravam
por todos os poros
E os gritos guardados
nas gargantas,eram visíveis
nos olhos marejados
Algumas vezes,os olhos gritam
com a força de um coro de centenas de pessoas.
Eu poderia ser absurdamente estúpido
Ou só aceitava tudo.
Definitivamente complexo
O fato é que nunca demonstro reações
Pode ser um mau hábito
Ou só preguiça reacionária
Contudo,meu comportamento
Sarcástico,encorajava o velhote
Ele transpirava o tempo todo
O fedor dominava seu corpo
A espuma ao redor dos lábios
saltava pelos cantos
Berrava e berrava
Demonstrando sua postura de ''macho''
Timbre muito forte
Violentava os ouvidos
Os olhos bem arregalados,
quase saltavam das órbitas.
Naqueles minutos particularmente
satisfatórios
Me afeiçoei ao porco
Deveria ser algo subconsciente
Mas,ele lembrava o porco
da minha infância!
Meu pai!
Olhava-o com um sorriso malicioso
E pude comprovar a semelhança
Uma cena brilhante,que para muitos
era o próprio terror.
Me deixava extasiado
como em instantes de fornicação.
O babão começou a repetir
a cena diversas vezes.
Sua R-15 esculpia obras de arte
Crianças sanguinolentas
nos colos dos seus pais
com as cabeças desmioladas
Digno de um Mar Vermelho
bem ali no restaurante.
Aos poucos,a obra ficava completa.
Não se ouvia choros,gemidos ou gritos.
Só se ouvia uma doce sinfonia silenciosa.
As feições mudaram para a total demência!
Eu me tornara o único ainda vivo
A figura andou na minha direção
Pronta para atirar
Queria cumprimentá-lo
pelo excelente trabalho.
Mas,ele não parecia querer
traçar um vínculo
Foi então,que pedi a sua aproximação
Ele me olhou estranhamente
Abri minha boca e me senti feliz
por ser o complemento daquela obra.
Minha humilde contribuição
para um artista extremamente talentoso.
Enfiou o cano da arma na minha boca,
e encerrou a sua obra-prima.
By Morphine Epyphany
(Cristiane V. de Farias)