Olhar atravessado

Não me olhem atravessado,

não pelo brilho negro a sua frente,

nem pelo meu cabelo tirintitim,

porque mesmo assim,

continuo a ser gente.

Não me olhem atravessado,

não pelo meu barraco de madeira acolá

nem pela capoeira de raiz,

porque mesmo assim,

continuo a esperançar.

Não me olhem atravessado,

não pelo passado escravizado e insolente,

nem pelo som do atabaque ou tamborim,

porque mesmo assim,

continuo a ser persistente.

Não me olhem atravessado,

não pelo culto às forças divinas da natureza,

nem pelo legado de Zumbi,

porque mesmo assim,

continuo a ter pureza.

Não me olhem atravessado,

não pelos meus grossos lábios,

nem pelas diversas etnias atribuídas a mim,

porque mesmo assim,

continuo a ser sábio.

Não me olhem atravessado,

não por acharem que não tenho inteligência,

nem por ter origem em Angola, Togo, Gana ou Costa do Marfim,

porque mesmo assim,

continuo a ter consciência.

Também não posso deixar atravessado,

o grito de liberdade na minha mente,

nem os requintes de crueldade daquela gente,

que mesmo passado os tempos,

o pobre do negro até hoje,

chora, sofre e sente.

Ademir Santana da Silva

Santo Antonio de Jesus/BA