Centelhas

O fatal

"Ditoso o vegetal que é apenas sensitivo

Ou a pedra dura, esta ainda mais, porque não sente

Pois não há dor maior que a dor de ser vivo,

Nem mais fundo pesar que o da vida consciente.

Ser, e não saber nada, e ser sem rumo certo

E o medo de ter sido, e um futuro terror...

E a inquietação de imaginar a morte perto,

E sofrer pela vida e a sombra, no temor

Do que ignoramos e que apenas suspeitamos,

E a carne a seduzir com seus frescos racimos,

E o túmulo a esperar com seus fúnebres ramos...

E não saber para onde vamos,

Nem saber de onde vimos..."

(Manuel Bandeira. In Antologia Poética. Global, 2013)

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O vento sopra misturando as cores que a noite esconde

Farfalha a incerteza dos tempos,

O engodo da consciência produz passado, presente e futuro

O lusco-fusco engendra em mim o equívoco do tempo

E mergulho no engano

A cicatriz de um pecado esquecido em alguma volta da vida

Traz uma sombra anuviando a minha face

Ao redor da noite a glauca luz dos vagalumes

Acende verdes lembranças, encantos e infâncias

Num pisca que pisca anunciando verões

E a promessa que levanta-se das águas

Agora escuras, agora insopitáveis,

Agora o sempre mesmo mistério

A inquirir-me

De não saber se tudo é destino

Nem atinar na febre arguta de menino

Para onde vamos

De onde vimos

Qual o sentido do bimbalhar do sino

A derrubar as horas?

Fazem-se os dias indolentes e infatigáveis,

Alheios ao emaranhado dos clamores e das preces

E um dia conclamando outro, que conclama outro...

Desde de o "Big Bang",

Desde a criação

Ou seja lá o que nos traz até aqui

Ad eternun

Sob a película azul de um céu de agosto

Sob o ar tremeluzente de janeiro

Sob o mistério das partes

Sob a centelha das partes

Que pensam a tessitura do inteiro

Os dias são estes barcos brancos sem porto,

sem rotas que o levem à noite certa,

Sem timoneiro

Os dias nascem fundeados e expectantes

O sol, olhando por entre a neblina

Tremeluzente do horizonte,

Denota a sensação irreal do Tempo

E o Tempo a si ignora

E o homem de si se esconde

E caminha como se caminho houvesse

Caminha, mas não se sabe pra onde