SÃO PAULO
uma cabeça confiante de mais puro falso cristal
um coração galopante puro-sangue artificial
dois olhos rapinantes choram lágrimas de água e sal
milhões de poros transpiram a exuberância do bem e do mal
eu que sou carne bem que poderia ser heavy metal
sólida ossatura de alvo gesso alabastro comercial
artérias maduras impuras de sangue velho convencional
outras coisas revelam o glamuroso fracasso ou o potencial
de se envolver nessas coisas exigentes de que nunca se faça igual
eu que sou lugarejo bem que poderia ser continental
alfinete afiado na ponta da língua tal qual um narval
unhas curtas em dedos pequenos para fingir que não fazem o mal
pés chatos de pegada errada valsam firmes sobre o lamaçal
e joelhos traídos pela massa cambaleiam exaustos pelo fim do carnaval
eu que sou arco-íris bem que poderia ser a aurora-boreal
em são paulo ocorre a alma cativa pelo cruzamento e pelo sinal
nem ocorre criar asas e acabar como ave na imundície da marginal
pelos muros escuros escorre a sombra lavada pelo purificante temporal
à medida que crescem as águas diminui o afã de ser principal
eu que sou sicrano bem que poderia ser fulano de tal
coluna ereta e passo febril de quem corre para não atrasar o funeral
pisa poças e cacas pela calçada incomodado como se pisasse o símbolo nacional
dentes mais ou menos brancos cabelos castanhos e sobrancelhas de animal
pensamentos às vezes harmônicos e trejeitos sutis de música instrumental
eu que sou quermesse bem que poderia ser La Fura Dels Baus
em são paulo sepulcro caiado guardado espera a cópia já que perdeu o original
um documento em branco para quem aos prantos possa escrever um ritual
uma missa um réquiem para alguém que saiu pra comprar cigarros no plano espiritual
um bom passeio, afinal
eu que sou metade bem que poderia ser total