Raiva encanta os poros.

Minha raiva sacia, afrouxa, amálgama,

deixa o ar ficar menos garrado, o seco menos frio,

deixa a mão mais fecunda, mais menina, menos reclusa.

Minha raiva desmata, descabela, sorri, diz,

faz o pisar ficar mais fértil e cheiroso.

Minha raiva encanta os poros, os rios, a luz, a teta macia,

aponta para o arco-iris com feito erguido.

Minha raiva arrasta, incrusta, imanta, aporrinha,

esburaca a terra, embriaga a volta, seduz.

Raiva é gole morno, galope esperto, espirro salvador,

refaz algemas, salga o medo, assusta o juiz.

Das raivas que tive poucas ainda relam,

poucas ainda vêm beijar minha mão,

poucas ainda são crias que reconheço e apeteço.

Raivas demitem o rei, descabelam as certezas,

fazem a dor bailar feito gazela atrás do primeiro prazer,

fazem a verdade sair de fininho e nunca mais dar as caras.

Raivas são dóceis, esquisitas, sumárias,

reconheço todas quando me faço decente, avesso e até feliz,

então esqueço dos amores esquerdos, essas loucas canecas pedindo que as encharque até se fartarem de mim.

Mas não: de cada raiva torta e vadia só essa farei minha,

justamente aquela que, por certo, me fará dela pra sempre.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 29/12/2014
Código do texto: T5084242
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