O mal da aurora
Erguem-se plúmbeas nuvens
De inquietude esperada
Deus tomara
Que estas nuvens venham logo
E limitem a luz declarada
Da estrela insistente
Que aquece a gente
Com luz e fogo
Ó, mal anunciado, afasta-te
Rogo-te o mais profundo rogo
Que a noite esqueceu
Esta infeliz criatura
Que sou eu
A noite, ó aurora
Não me atura
Ó, boas-novas iluminadas de toda gente
Menos eu
Bem de todos, o meu mal
Minha seta inconteste
Da lembrança sepulcral
Que a noite não cedeu
O seu sono inocente
A uma criatura insistente
Em velar, em cultivar
Uma dor de cabeça que preste
Ao serviço de não me deixar
Dormir
Ó, mal da aurora, mal do horror
Que faço eu de ti que não te posso parar?
Que faço eu das páginas naftalínicas que li?
Que faço das dores do amor
E mais ainda das dores de ti?
As dores de te ver surgir
E de ver o meu amor se apagar?
Pois, ó aurora que não te quero menos do que não quero terminar este verso
A ti confesso
Meu amor não é mais meu
E tu viestes iluminar a sombra raquítica do que se perdeu
E em outros ventos vais ainda iluminar
O amor que não é mais o meu
Ó, aurora
A ti agora
Te digo basta!
Tu chegas e eu me vou
Que o sono chegou
E o meu amor ainda se afasta
Ó, aurora, tu sabias que já te amei?