BOQUEIRÃO
não quero da praia nada além da figura do mar
o qual contemplo à distância e que me faz pensar
na vida marinha que segue silenciosa debaixo de nós
nas aves do céu que podem ser gaivota, fragata e albatroz
nas pessoas tristes e nas felizes desfilando seus corpos
enquanto a maré naquele vai e vem traz de outros portos
o eco das conversas entre marinheiros a respeito do último dia passado em casa
esfrego a areia com a sola dos pés como se apagasse um poema ruim
o sol das onze horas sabe perfeitamente o quanto pode tirar de mim
observo calado a garota mais linda do mundo a partir de agora há pouco
e me sinto velho, cansado, gritando bem alto para acordar um coração mouco
passa o rapaz talvez namorado da garota mais linda do mundo num galope
enquanto a maré naquele vai e vem traz de outro mundo um envelope
contendo os amores de velhos marinheiros que sucumbiram tanto ao abismo quanto à maré rasa
adormeço acalentado pela brisa leve que me sopra os pelos do corpo e me faz levitar
sonho com seres fantásticos em batalhas homéricas pois sonhar também tem a ver com pensar
e como penso o tempo inteiro não tenho tempo de querer algo mais da praia senão isso
como se a mente inquieta talvez insegura tentasse a todo custo estar sempre alerta e mostrar serviço
então o que me é a praia senão um teatro onde eu sou o astro do monólogo sem platéia
a saga do lobo infeliz que de repente se viu nu diante da fauna e ainda perdeu a alcatéia
enquanto a maré continua trazendo memórias distantes sob esse sol inclemente que nos abrasa.