O SAL DA VIDA 


                                            para Arana, poeta amiga do Cerrado.




 
Há que se ter sabor pela vida
E apurar o paladar:


pelas pequeninas coisas,
pelos diminutos momentos,
pelos passageiros com que trilhamos caminhos,
pelo brilho relâmpago em nosso olhar cansado,
pela flor que esteve em nossas mãos um dia,
pelo café na hora certa em instante solit(d)ário,
pelo alarido das cigarras naquela noite tão trevas,
pelo telefonema que não veio mas foi esperança,
pela chuva fria que invadiu a janela e apagou a vela,
pelo anjo que passou e carregou o demônio,
pelo pão de véspera que nos animou o espírito,
pela tinta, a borracha, o mata-borrão e o lacre,
pelos despojos perfumados de mirra e pelo espólio,
pela justiça, que mesmo torta, se fez,
pela liberação de nossos segredos,
pelo dispersar de nossas vaidades,
pelas noites insones vazadas de reflexão,
pelos imprevistos que se tornaram soluções,
pelos sentimentos que testemunharam o estar-se vivo,
pelas recordações que enlaçam nossos ombros.
pelas viagens feitas sem tirar os pés do lugar,
pelo livro de Françoise Héritier,
pelos aromas que os dias nos trouxeram,
pelo sorriso numa manhã muito triste,
pelo choro longo que foi alegria,
pelo abraço que veio de um desconhecido,
pela saudade que não é falta mas presença,
pelos saís-verdes nas pitangueiras da casa,
pela ventania bem-vinda que varreu desastres,
pelo piano e harpa ao cair da tarde outonal,
pela estrela Antares que não abandona seu posto,
pelas crianças em que nos vemos,
pelas palavras mãe, pai, amor, amigo,
pela comunhão do kósmos,
pela concepção do homem,
pela natureza em esplendor,
pela imanência na impermanência.


cada coisa a seu ritmo e tempo,
imagens e emoções únicas,
vistas com inteireza,
experiências que não se podem trocar,
a viração do mar a nos soprar a direção e sentido.


pela poesia, que em tudo se sabe e há.
por ti, que em mim sempre viverá.



Se somos o sal da terra, a luz do mundo,

Provemos do sal da vida,
Humanos e deuses que estamos.


 


imagem: google
música de fundo: "Les jours tranquilles"
KATHLEEN LESSA
Enviado por KATHLEEN LESSA em 18/12/2014
Reeditado em 21/12/2014
Código do texto: T5074127
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