Por favor... me mate, Deus!
Não há prazer que me dê alívio
Nem paz que me acalme
Talvez nem dor que me espalme
Nem quem queira o meu convívio
Vivo morto esperando a praga
De continuar vivendo mais um dia
Mas, talvez trotando em agonia
Seja liberto dessa minha chaga
Se não se apressa meu banquete funerário
Ergo a voz ao céu num rouco brado:
"Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado"
Como disse Matos ao amigo imaginário
Faço desse amigo também o meu
Ó, Deus, eu também teria pecado
Se em pecado tivesse acreditado
Se fosse culpado pelo juízo teu
O meu brado é, contudo, mais moderno
Pois não desejo redenção da minha sorte
O que desejo com mais força é a morte
E não apenas ser liberto do inferno
Tomei um banho agora há pouco
Mas a dor não desceu pelo ralo
E a dor insiste e quanto mais eu falo
Mais me perco em meu sonho louco
Caí no poço escuro da apatia
Definho na lama do existir
O que faço para me extinguir
Senão abreviar-me o fim do dia?
Não tenho, meu amigo Imortal,
Contudo, a coragem para fazê-lo
Por isso, rogo, ouve meu apelo:
Me mate e será confidencial
Entro já nas raias da loucura
Por procurar o maior mistério
Mas eu só creio é no cemitério
E no vigor da morte dura
Em meu arfante torpor agnóstico
Clamo a Deus, a Buda e Afrodite
Que embora eu nem acredite
Peço atenção a meu rogo pernóstico
Se não há Deus nem outra criatura
Vagando no espaço com segredos vis
Julgando o tempo como um juiz
Nem adentrando na grande Fissura
Como farei pra morrer se não posso
Por minhas mãos tirar o meu fardo
Que por loucura ou por desagrado
Me foi feito a levar com remorso?
Se sou covarde e minha hora não surge
E se não há nada que mais lhe agrada
"Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada"
Me livra da vida que a morte me urge