Cansada

Estou cansada

Da fúria das ruas

Do desdém dos pobres de espírito

Da maldade humana

Quando impera

Cruel e obscena

No fio dos dias.

Estou cansada!

Da idade que me assombra

Quando já não há o teu amor

Ao meu lado

E as manhãs são mais frias

E sem sol.

Estou cansada

Das pobres mulheres mortas

Como (in)felizes prostitutas

Em eterno cio

A desdobrarem-se lânguidas

Pelo excesso da carne

Que não contempla o espírito.

Estou cansada!

Das vozes sem sentido

Que se arrastam

E cospem caminhos

Por entre a miséria engravatada

Que assola o país

Estou cansada...

Dos falsos sorrisos de escárnio

Que escapam

Pelos cantos das bocas.

Estou cansada

Pelos teus, pelos meus, pelos nossos filhos

Pelos filhos da mal amada pátria

Que aos poucos sucumbe

Em mergulho dormente

Ao mais óbvio do indecente

Estou cansada...!

Brindemos então!

A toda essa porcaria que reina e que mata

Aos que se deleitam

Por entre os destroços

Da multidão massificada

Brindemos!

Ao amor que não se deixa acontecer

E pelas pobres migalhas concedidas

A preços módicos!

Seremos reis em outras paragens

Estou cansada

De contar tostões

Para pagar o preço

Do caminhar até a esquina

Estou cansada!

Por mim, por tu, por todos nós

Que levantamos no meio de uma multidão imunda

Repleta de ignorância

E medo

Estou cansada, amor

Estou cansada...

E já não existem armas

Nem navios

Que atravessem as marés

Em chamas...

Estou cansada!

Escuta, pátria amada

Escuta

O clamor do teu povo

Que morre

E o meu que morre de amor

Estou cansada!