Cenas de um crime
Se quiseres o meu resto
O que sobrou de minha vida
Desfigurada pela lâmina depressiva,
A que corta o belo na fonte
Sem culpa pelo crime.
Se imploras de mim o que ficou
Quando muito algo escrito às pressas
Mas que faz algum sentido
E que agora, mais que nunca,
Parece imortalizado pela minha queda.
Se sonhas com um príncipe sujo
Vagando pelos bares dos subúrbios
Pedindo vodka em troca de insultos
E que não sente vergonha de ser pequeno,
Que bebe a saliva dentro do copo
E sangue em garrafas de gin;
Um operário da tristeza
Na tarefa árdua de sustentar uma falsa alegria,
Que despenca do alto da frieza familiar
Como uma guilhotina sobre os dedos do músico,
Uma fagulha sobre o arsenal de bombas.
Se procuras por um pedaço de pele
Que ainda não havia bebido o suor
E que morreu de sede em pleno calor,
Ou a carne de uma festa suicida
Estragada diante da fome de virar logo um cadáver,
Um passageiro derradeiro
Limitado pela sobrevivência impossível
Em meio a essa horda de “humanicidas”.
Você quer ser o sopro do meu coração
Ou a cárie do meu dente?
Pousas o tem amor sobre as sobras do meu pensamento
E cultiva por um tempo a minha memória,
Já que as cinzas pertencem ao vento
E dele não se pode tirar as crias.
Se acima de qualquer pecado por mim divulgado e sentido,
Ainda assim estiveres interessada por mim,
Junte então todos os escalpos
E faça um brinde ao esquartejado
Sem ouvir as testemunhas ocultas
Ou fazer perícia em um macacão manchado de sangue,
Senão seriam presos como suspeitos de homicídio
Todos os entregadores de carne.
Ricardo Mezavila