carta
tantas vezes foi assim
simples e cinzento,
o olhar perdido nas paredes em silêncio
batucando qualquer coisa em mim...
e tantas vezes desisti
com o corpo pesado das noites em claro
pensando o que já havia se pensado;
tantas vezes achei que enlouqueci
escrevendo com os dedos
os lampejos das coisas que senti --
e sei que enlouqueci mesmo,
mas foi de tristeza
por não conseguir me abandonar de ti...
e fique sabendo que
não me abandono agora,
nem me abandono amanhã.
sei que por dentro
ele vai ralhar, desdenhar,
vai sentar nos cantos pra pensar
fumando um cigarro amargo...
vai ficar puto, me achar louca,
vai me achar um fardo,
vai querer que eu perca a voz
e fique rouca...
pode ser que eu até morra,
mas de nada vai adiantar;
mesmo que arranquem meus dentes,
queimem meus cabelos e
derretam minhas roupas,
eu vou com o teu arquejo na boca.
mesmo que me decomponham,
não vão levar a tua voz.
(se tu soubesse como eu fui feliz
por te levar assim,
não ficaria longe de mim...)
e daqui uns anos
quando eu já não for mais
que pó e lava
ainda vou me espalhar no céu,
pois vão me jogar no ar ou no mar
e todos vão saber
como eu gostei das tuas mãos.
eu não me abandono de ti hoje, não
nem me abandono amanhã...