Volos

me lanço da janela para cantar

e juntar num espanto

as folhas das árvores

para além do muro;

me lanço da janela

mas só consigo parir

grunhidos,

socos rígidos

que queimam a garganta.

me lanço do topo da casa

para o mar

para além das minhas noites

mas só faço pular

desengonçada e circular

até sentir

o tranco de mil açoites

me lanço do mar

pra areia;

perdi as formas de sereia

pra ganhar um sopro enrugado

e receber um afago

brusco e pesado

dos olhos do céu.

perdi a forma do nado,

as pernas cansadas,

e essa voz de fados e cantos

se trancafiou no nada.

perdi esta carne barata,

estragada pelo silêncio.

agora só faço olhar

e me vejo boiar

do teto da casa

numa água de adagas;

me deixo afundar

afogando as mágoas

da voz que o tempo

de agora

pra sempre cala.