MIRTES E A ORDEM DO VENTRE
O vinho negro
 
 
A ruiva empunhava
Uma lança dourada
Linho claro
Em um rubro outro
Por cima
Atado na cintura
Que deixavam ela surgir
Emergir corpo e alma
Que de fada
Nada existia
As cores entre os olhos
Que de um castanho
Esverdeado
Gritavam
Deixando visitar
A coléra que sentia
Démon quis o inverno
P’ra não fugir das tentações
Ao se atrever vencer
O destino
Que se fazia desenhado
A Dévora
Molduras refletidas
De um quadro esquecido
O castelo do velho
Apenas o cajado
De ferro
Se via pendurado
Símbolo crivado
De agonias passadas
Onde  agora ela vive
De novo
Apenas um sonho
Algumas de suas
Palavras derramadas
Mudas
O ancião deformado
Que tinha um coração
Guardado
Deixou a marca
Riscada por unhas
Na direção da janela
Onde ela  avista
O brilho estrelado
No inteior do vale
Que tem duas luas
Crescentes no cume
De nuvens
Entre sois que afastam
Toda escuridão
O dorso sente
o toque silencioso
de um sopro
o calor mágico
a voz grave quase rouca
de um homem
derrepente
lhe traz a loucura morta
o dragão das lamúrias
envolve a calda
ofendendo a passiva
que se torna livre
por dentro
o calor sobe
seus olhos se tornam
olhos humanos
as mãos cravam um veneno
que a deixa
num sereno
que se expande
não há derrota
p’ra o que não se quer
ter vencido
Dévora não foge
Ao desejo
Se entrega ao lagarto-alado
Que a leva ao altar
De cima
Possuída se derrete
A neve contida
Verte em suores
Que uma língua ácida
Lhe faz ver músicas
Dançando
Sobre todo leito
Do castelo
Agora reino
De outra rainha
O belo rosto corado
De um demônio
De olhos vermelho
Abre as asas
Lhe envolve
Sufoca seu corpo
Apaga seu rito
Que traz um deserto
Deixado pelo Descido
A ruiva-mestra
Abre as cortinas
Descobre a sombra
Do Mestre do agouro
Desperta a fúria
Clama pelos lobos
Da colina
Que subam e devorem
Toda carne
Da prometida
Démon se tornou
Outro pelo espelho
Refletido
Não conhecia seu rosto
E a cor cinza
De seu corpo
Que se desfazia
Se lança aos ares
Despindo as paisagens
Com o fogo da cólera
A senhora dos abutres
Tem Dévora nua
A sua frente
Um corpo esculpido
Tatuado em preto
Encarnado
Entre o  ventre
E as costas
Um dos olhos
Cega sua glória
De princesa-dama
Repentina
A matilha pressente o perigo
O betume vagando
Pelo bosque
Dão a nota aguda
De quem não faz
Batalha com vencidos
Emergir desfilando
Agulhas que voam
Retonam desenham
Ankh nas ranhuras
Do portal
Que se fecha
Aparece a sombra
Do Deus-chacal
Por pintura na parede
Desabam as forças
Se recolhem as flores
No jardim do bosque
Caem as folhas
Avisando que o outono
É o princípio
De sua fome
Secam as fontes
De água pura da colina
Crescem as videiras
Vertem vinhas
Maduras
Na ladeira do rio
Corre agora
O rubro feito
 Corrente de sangue
Dobram-se todos
No frio postar-de-ventas
Lábios tremidos
Choram calados
Abrem-se as pedras
Do monte
Onde crescem as heras
Desce Dévora destemida
E a ruiva agora menina
Clama pelo séquito
Que está sob
Toda vigilia
no vale do templo
onde a Ordem a espera
o visceral se apaga
a floresta do caminho
dorme
os cães famintos
eram meninos roubados
aparecem perdidos
deitados
invadem o castelo
as escravas libertas
os abraçam
como filhos
Dévora olha o que atraz
Promete
Voltar um dia.