EU, NU

Eu existia, completamente nu,
Sob o meu garboso fato.
E existia, sim e de fato,
Por trás de minha indefinição.
Não podendo ser abstrato,
Como meu primeiro desígnio,
Eu tinha que ser concreto até o final
E substantivo sem maior especulação.
Manifestava-me, como um elemento,
E via o meu reflexo em qualquer
Espelho mal polido e circunstancial,
Como se coisa conclusa, mas sem reação.
Somente entes reais, em efeito, reagem;
Sempre o real exigindo postura e partido
E justificativa para comparecer à festa
Do céu, onde estrelas cintilam e, aí, são.

Eu existia, como um projeto exaurido
De mim, uma semente adiada e vã,
Um conforto de quem deu de esmola
Um real, assim como todo o mais é vão.
Acusavam-me de egoísta, ignorando
Que esse é o princípio do efetivo, do atual.
Incomodava às gentes com o meu silêncio
E quando gritava era idem, sem um senão.
Tentava passar desapercebido, mas qual!
Se criava, era fátuo, pretencioso e tolo,
Um ordinário; se ficava aquém,
Pesava sobre mim imperdoável omissão.
Se sentimento, era desastrado e pífio;
Sentimento oculto, indigitavam-me de frio,
Racional, desumano, inepto para o afeto,
Desnudo de qualquer consideração.
Se eu transparecia, era feio e indecente;
Se buscava o escuro, era inamistoso;
Se eu me mostrava nu, era mais indecente
Ainda, de uma indecência sem redenção.