MERGULHO MEUS OLHOS INSONES

Mergulho meus olhos insones

na Terra Sonâmbula de Mia Couto*...

E viajo nos cadernos de Kindzu**

E embarco na sua na canoa do tempo

Que veleja por entre os mares d'África

Palavras soltas ao vento que murmuram

As vozes dos vivos e dos mortos

Por entre o vergar das palmeiras

Que rastejam seus louvores ao chão

Para que a terra não se envelheça

E para que os dias acordem novos

Olhos de esperança por entre os medos

Por entre a dúvida de saber se as escolhas

São desígnios que nos escapam por entre

Os dedos do horizonte que se esvai na lonjura

E que mãos de trigo talvez sejam o

Pão que nos come por dentro nessas

Horas de escolha entre o sonho e o pesadelo

Entre a poesia e o fragor das urnas

Que espalham o pó dos devotos a uma causa

Que não precisa de heróis e nem de salvadores

Que a pátria chora um grito novo a cada instante

E os corações se apertam quando se apartam

E quando chega a nova primavera que flores

Que novos brotos que novas bandeiras serão

Os túmulos dos que acreditam apenas no silêncio

das horas agônicas que não mais têm sombra

Porque lhes falta o sol da verdade e o raio da

Madrugada é apenas um canto que tenta, em vão,

Acordar os filhos do sono entrecortado de soluços

Sonâmbulos feito a Terra de Mia Couto que

Se devasta de solidão e pó e faz da beira da estrada

O berço dos caminheiros que sangram os pés

Nos desvãos da história que precisa ser ouvida

Ao pé do fogo dos milhares de ancestrais

Cozinhando lendas e mitos e tangendo estrelas

Perdidas por entre os grotões da imaginação

E quem se perde nos escritos se acha apenas

Decifrador dos códigos secretos das entrelinhas

E a Terra Acorda da cor da corda que enforca

O texto no azul da luz que azula o feminino

Das ternuras que fogem de todos os gêneros

E são fadas que não têm nome e nem cor

E são assim mesmo um arcoirisado de sete véus

de tristeza e beleza se banhando de misteridão,

Silêncio e um cantar de galo pela manhã que

Pensa apenas em, de novo, anoitecer em berços

De novas estradas e sonhar futuros com os pés

Fincados na estaca da cruz que nos carrega até

O gólgota em conta gotas de sangue fluindo de

Veias abertas em estrelas de silêncio.

Por entre as páginas que me leem,

Insone é a Terra Sonâmbula que me veste

de encanto e que avança feito noite sobre mim.

E despe por dentro meus olhos com os signos

da túnica sagrada de uma África pujante de

cantos e mantras de magos que sabem a magia

de chorar o pranto que inaugura a lágrima dos rios

e dos mares por onde navegam os dedos magros

de Kindzu se fazendo remos e ramos de recordações

Do morto-vivo Taímo*** virado em barco da longa viagem

que tem começo e nunca se sabe se chegará ao fim.

Hoje, a Terra Sonâmbula sou eu, que também caminho

sem saber por onde vou trilhando esses caminhos

das Gerais Potiguares, dois rios fluindo perenes em mim.

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*MIA COUTO - escritor moçambicano, também autor de O ÚLTIMO VOO DO FLAMINGO, O OUTRO PÓ DE SEREIA, UM RIO CHAMADO TEMPO, ANTES DO NASCER DO MUNDO e o infantil O GATO E O ESCURO.

Recomendo à leitura pela sua inventividade, profundidade e o trato criativo que dá às palavras e à beleza da sua narrativa.

** Kindzu = personagem do livro "Terra Sonâmbula", de Mia Couto.

*** Taímo = pai de Kindzu.

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INTERAÇÃO de TONY BAHIA: "Viajei e naufraguei no seu texto. Salvo pelos mares, pelos navios nos portos...Atracado feito embarcações no cais."

02/11/2014 02:45 - Tony Bahia

O CROCHÊ DAS PALAVRAS ou QUERO O INFINITO AINDA...

"As mãos de trigo vão fazendo a lavoura. E outras mãos incendiando campos. As terras áridas e inóspitas vão se derretendo feito gelo e a primazia do tempo deixando desvelo. Fiapo o trapo do novelo, e tecendo Poesia como campos floridos de girassóis e lírios. Como se faz crochê de palavras. A Vida é única. Vamos tecer seus fiapos e colocar no fogão de lenha, um caldeirão de lembranças. Todas juntas feito um nó. Nos versos de Mia Couto, sou sonâmbulo. Com os olhos cerrados vejo o mundo. As cores são canoas navegando nos meus versos por terras dantes habitadas. Dantes navegadas. Flutuante casa, nos jardins do Paraíso, é preciso navegar, como é preciso viver. Os olhos, insones, querem adormecer depois de um belo e infinito dia. Esperando o Sol para dizer bom dia, enquanto a Lua-Nua se esvai, aos poucos, entre troncos e barrancos no horizonte. Não olho para trás. Não quero ver a noite finda. Quero o infinito ainda, que está por vir...."

(TONY BAHIA)

Prezado Tony: encantamento de palavras, amigo... Sorrio o mesmo riso moçambicano de Mia Couto, sonâmbulo nesse reino de olhos abertos: os teus olhos faróis de poeta que navegam esse rio de palavras. Com remos de prata, feito as mãos de Kindzu que brilham no escuro de uma África negra como a noite. Mas iluminada no lume do teu verbo.

Meu abraço de emoção. José de Castro.

José de Castro
Enviado por José de Castro em 02/11/2014
Reeditado em 02/11/2014
Código do texto: T5020066
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