Prece

Não sei bem porque

(e isso talvez não importe)

Mas a verdade é que

Ultimamente

Insinua-se impertinente

Uma lembrança de morte

Como se Thanatos

Me abraçasse

E cantasse só para mim

Uma canção que ouvi

não sei onde.

Depois de tanta mágoa

Tanta queda e desespero

Esqueci minhas desfesas

Não movi um dedo mais

E ele me abraçando

Me envolvendo e cantando

Uma promessa de paz.

E eu, pouco a pouco

Lentamente

Me aquecendo e acomodando

Letárgica e vencida

Docilmente me entregando

Ao descanso que traz.

Olhos fechados,

Vi passar no céu um avião

Ouvi roncarem os motores

Vi correrem os suores

Ouvi os gritos

De quem já não tem paz

Sonhei os sonhos

De quem já não dorme

Bebi as lágrimas

De quem, apesar de chorar,

Manteve-se atento

E acreditou num gesto

Num sorriso

E num olhar

Lembrei as mãos estendidas

Lembrei as mãos estendidas

Que durante uma vida

Permearam meu caminho

Mãos que pediam

Mãos que batiam

Ou simplesmente mãos

Que em gesto de carinho

Acenavam quando partiam

Vieram resgatar-me

As vozes

Dos filhos que não gerei

Dos amigos que conquistei

E lembravam numa canção

As lutas que não venci

E outras que nem travei

E muito mais quentes

Que a pálida paz

Que Thanatos me oferece

Ergueram-se triunfantes,

Num crescendo assustador,

Cheias de amor

Numa prece!

Raquel DPires
Enviado por Raquel DPires em 27/09/2014
Reeditado em 27/11/2014
Código do texto: T4978041
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