Prece
Não sei bem porque
(e isso talvez não importe)
Mas a verdade é que
Ultimamente
Insinua-se impertinente
Uma lembrança de morte
Como se Thanatos
Me abraçasse
E cantasse só para mim
Uma canção que ouvi
não sei onde.
Depois de tanta mágoa
Tanta queda e desespero
Esqueci minhas desfesas
Não movi um dedo mais
E ele me abraçando
Me envolvendo e cantando
Uma promessa de paz.
E eu, pouco a pouco
Lentamente
Me aquecendo e acomodando
Letárgica e vencida
Docilmente me entregando
Ao descanso que traz.
Olhos fechados,
Vi passar no céu um avião
Ouvi roncarem os motores
Vi correrem os suores
Ouvi os gritos
De quem já não tem paz
Sonhei os sonhos
De quem já não dorme
Bebi as lágrimas
De quem, apesar de chorar,
Manteve-se atento
E acreditou num gesto
Num sorriso
E num olhar
Lembrei as mãos estendidas
Lembrei as mãos estendidas
Que durante uma vida
Permearam meu caminho
Mãos que pediam
Mãos que batiam
Ou simplesmente mãos
Que em gesto de carinho
Acenavam quando partiam
Vieram resgatar-me
As vozes
Dos filhos que não gerei
Dos amigos que conquistei
E lembravam numa canção
As lutas que não venci
E outras que nem travei
E muito mais quentes
Que a pálida paz
Que Thanatos me oferece
Ergueram-se triunfantes,
Num crescendo assustador,
Cheias de amor
Numa prece!