AMBIGUIDADES
Vem subindo das entranhas uma vontade louca de gritar... Um grito sufocado e estrangulado pelas tripas sociais... Ele está crescendo e pode-se ouvi-lo ruminar nas paredes escondidas do querer que se derrama pela esquina do acontecer... Ele vem, chega, envolve e distorce a bifurcação trocada do nosso olhar... Ele uiva, geme, sussurra desvairadamente na possibilidade imaginada do nosso coração descontrolado pelas emoções sentidas e não faladas... Coração não fala; coração bate e expressa o que as palavras não dizem no compasso alucinante da dor de sorrir o sorriso das intenções veladas por baixo do grito... Sentimos ele chegar como a mão que afaga e corta e depois assopra na gentileza brusca do desejo bruto... É a pedra que acaricia a pele e arreia o corpo na sua brutalidade caridosa da verdade... Intenção da ação interrompida no meio... Fechar os olhos e sentir a sensação da carne rasgando com o grito que vem... O sol e a noite; a dor e o prazer; a realidade e o sonho; a estrada e o atalho; o corpo e a alma... Opostos, ambigüidades veladas e zeladas pela vontade de passar pelo meio do caminho e atingir o alvo... As palavras se calam e o grito estanca porque as reticências agora são mais fortes do que o próprio ato... Fecham-se os olhos e abre-se o coração na coragem de se deixar envolver e estuprar por todas as possibilidades há tanto tempo sufocadas pelo desejo... O que nos compõem são todos os opostos no côncavo e convexo que nos remexem e nos sacodem no estremecimento vertiginoso do que somos e do que nos mascaramos... Deliramos então nessa massa sanguínea que nos envolve como um véu suave que transpassa a nossa realidade para copular com o sonho... Derramam-se as brumas neste instante de liquefação que aquece e esfria na orgia da verdade com a não verdade... Somos unos e somos múltiplos acoplados nas poliédricas personas das reticências que nos elevam aos céus supremos dos deuses... Abramos os braços para esperar as múltiplas faces que nos envolvem... Dores e prazeres em uma missa santa e profana que nos joga nos labirintos da luz feita de escuridão e das trevas feitas de claridade... Façamos amor com a dúvida revestida de certeza... Arranquemos o certo e o joguemos no incerto... Redemunhemos os pés calcados na ilusão com os olhos nas estrelas e as mãos na carne... O grito está vindo cada vez mais intenso, mais forte, mais potente, mais orgíaco, mais corajoso... Deixemos ele vir e gritar tudo o que o grito sufocou e explodiu... Sintamos o desejo acontecer... O grito é o prazer que chega em espasmos remexendo as entranhas violentadas... Gozo intenso... Orgasmo pactuado com todas as máscaras que arrancamos de nossa face... Porque somos feitos de sorrisos e lágrimas e de querer e não querer... Abracemos as múltiplas possibilidades num abraço que nos confunda com a própria vida... Que ela possa nos COMPRRENDER na sua imensidão com todas as suas farpas e arestas... Sejamos inteiros e intensos nas nossas quebras e divisões porque são elas que fazem com que sejamos o que somos nas reticências ambíguas que nos transforma em seres humanos... Sintamos o abraço, vivamos o grito, violentemos as inverdades, esqueçamos as verdades... Comunguemos tudo o que vier no mergulho do abismo da metamorfose... Que caiam as máscaras, que venham os véus... Arranquemos todos e mostremos a face em carne viva do grito orgástico de viver a roda viva da Paixão...Paixão de simplesmente ser e existir no instante-já desse grito infinito!