Estar aqui
A boca do violão fala, mas eu não escuto mais. O barulho que era ensurdecedor se calou. Estou sentindo o sol forte na janela fechada.
O calor ainda está aqui dentro, mas cada vez que eu ouvir o silencio, um grito me apertará e me esmagará por dentro, fazendo as lembranças virem à tona.
Eu sei que está aqui, em algum lugar aqui dentro. Faz parte da minha vida e sempre vai fazer. Se eu me lembro de tombos e fracassos ou se me lembro do sucesso e dos aplausos... A memória é mais viva que o ser humano, tem vida própria e voa para onde quiser a hora que quiser.
Um vento, um beijo, o sol amanhecendo... músicas...
Parece que se eu fechar os olhos tudo vai sumir. Mas eu durmo e, quando acordo, ainda está aqui, esquentando toda minha pele.
O vento passa, o beijo acaba, vai anoitecendo... físicas...
Ainda está aqui.
Me agarro com todas as minhas forças para não vê-lo escapar por entre os dedos, mas cansada adormeço e... Ainda está aqui.
Tento me livrar, desabotôo, desamarro, banho e escarro...
Nada, ainda está aqui.
Ponho outro enfeite no lugar do vaso quebrado, mas todos que olham pensam:
- Aquele vaso combinava mais com esse quadro!
Tentei dizer tudo. Como se fossem os últimos momentos. Mas ainda não disse nada do que realmente precisamos ouvir e não tenho nenhum ressentimento.
O medo de não estar mais aqui também existia antes, mas já estava aqui. Agora, estar aqui ou não, não depende mais de mim ou de qualquer outra coisa.
Você simplesmente está.