Musa

sobre a maldição das palavras,

nós, insanos,

sabemos nunca.

a musa veste

cabelos e trapos brancos,

caminha descalça

e dança com o vento.

a musa nunca tem alento.

às vezes ela fala,

mas suas palavras

andam desnorteadas;

temos de sentar pra ouvir

com um caderno

pra anotar os ecos

de um fado complexo.

depois, organizamos a página

com calma.

cuidamos das palavras

com o afago materno

de quem nunca se cala.

apesar do calor,

nunca vemos sua face.

ela se dá à luz por um instante,

mas logo se esconde.

sabe que sua presença

é mais que suficiente;

corta com um açoite

o tempo e a mente.

a musa é grande e

por vezes amarra

meus dedos

com um barbante.

quando está de bom humor,

ela quer mais que palavras;

a musa também quer um banho de lava.

acende uma fogueira

sob as palmas de minhas mãos;

se não escrevo,

derreto no chão.