CORIFEUS

(para Iolete Moreira, ativista cultural)

A noite é turva sob o céu de Campo Grande.

Escombros lúdicos reconstroem mitos, amores.

(O bar, dezesseis anos e sua roupagem.

Renegava-se a nós a cuba-libre, o gin-fizz.

Entre a coqueteleira on the rocks,

a canção italiana e o twist endiabrado,

minissaias sarandeiam na memória.

Eram os infindáveis zelos provincianos.)

Recanta-se o musical luzeiro da adolescência.

Também a foice atroz, sonhos empastelados,

guetos nas províncias notívagas da pátria amada.

Aqui, na capital do Oeste, o som é um matuto

repinicando entre o cerrado e o asfalto.

Aos quase sessenta, lavouras da noite

são jardins de pedra, suas fontes de augustas

águas dançantes, o mesmo néon

e a lei seca das amadas.

Agora, reconstrói-se saberes sobre ventos,

bandeiras e bússolas de agulhas loucas.

Vigiam-nos tesouros insuspeitos,

encantando a AIDS, escorpiões e medos.

Ainda assim vale a madrugada,

seus corifeus cegos de tesão e fugas.

A lua espia por trás dos óculos.

Do livro OVO DE COLOMBO. Porto Alegre: Alcance, 2005, p. 67.