PALAVRA & CANTO
Todas canções têm algo de sonho,
revivem o mistério do canto.
Tudo o que conta não tem sentido
quando falecem os signos.
Palavra é mais que mistério:
som dos neurônios batucando na mesa.
O imprevisto e o impossível
desenham a clave de sol.
Tudo o que me consome
é esse mistério intraduzível de ser,
a duras penas, a voz do espontâneo,
o despido improviso.
Todo cantor que se preza
traz nos lábios um pentagrama.
Na sua garganta nasce o pentagrama,
o reino das claves, morada da palavra
em seu vestido de festa.
Nada me sabe a música,
sua harmonia, o tempo certo,
o ritmo na pauta.
Porque o desenho de meu rastro
– a garatuja da palavra –
é um cinzel roto de destinos.
Enfim, todo o cantor é mudo,
quando o intérprete é somente voz.
Do livro OVO DE COLOMBO. Porto Alegre: Alcance,2005, p.59.