Memorial

Eu me recordo de quando

Gatos andavam pelos telhados, pelos muros

Cachorros desciam a rua em direção ao mercado onde batalhavam um osso

Em que os passarinhos comiam o mamão de sol amarelinho

E as lagartixas moravam escondidas detrás dos quadros de fotos antigas nas paredes da sala

Galinha dormia no poleiro e o galo acordava o sol

Formigas cavavam buracos e estocavam comida

Abelhas sugavam flores

Eu me recordo de quando as traças andavam lentamente subindo e descendo paredes

Baratas se metiam pelos cantos das gavetas

E urubus sobrevoavam quintais

Ah, que bonito era o morcego dando voltas pelas árvores ali pela hora do Ângelus

Mais ainda era belo o voo de perdidos pirilampos

E a impotência das mariposas nos muros

Pela manhã os soldadinhos com bolinhas brancas, molhados do orvalho das folhas

Os botões pretos no vermelho das joaninhas sobre o verdor da grama

E o verde cana da esperança mentirosa

Esses quadros estão preservados no museu da história da minha infância

“que os anos não trazem mais”