DEVO

Devo piscar antes de ver, devo

lavar antes de comer, devo

pensar antes de falar menos, devo

tanto. Fechar antes de sair, abrir

se for permitido, lembrar o que escrevi no bilhete.

- onde estão as chaves?

Devo retribuir o sorriso, mas não devo falar com estranhos.

- fumar depois do sexo é clichê de cinema americano.

É tempo de construir, erguer andaimes. Arranha céus, bolsas

de valores em Nova York e Seul vazias.

Por toda parte há fome, as coisas agora têm fome.

Mesmo minha sombra anda a devorar o calcanhar distraído.

Passos rápidos e lépidos e ligeiros e disciplinados não levarão mais a lugar algum: nem onde, nem quando. Nunca desejaram sair, se para a firmeza do chão foram feitos e antes de caminhar estão.

De olhar as nuvens as guardo doces, e de amar tanto “apascento teus rebanhos”. A mim basta tombar para o lado a cabeça que releio a carta, teu bilhete memorando, a cena memorável de qualquer instante.

A fome volta a devorar as sombras, meu calcanhar não sente o chão. As sombras, a luz e a luz do dia com suas nuvens no céu de Seul no coração da América.

piscar antes de ver, devo

lavar antes de comer, devo

pensar antes falar menos, devo

tanto.

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 01/08/2014
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