No azul

Há suficiente alegria em se esquecer

Quem se esquece, se esquece de...

Cria uma ponte transitiva

Atravessa-se tal ponte pronominalmente

Para o nada

Para o vago

Para o inexistente

Parece algo como pular de um avião

Para com o mar de nuvens uma ligação

Pluma bailando no azul

Mergulhando no branco

Que bom é ser pluma

Que não se esparrama no chão

Apenas sobe

Apenas desce um pouco para de novo subir

De si sem saber

Nem canta e nem assobia

De coisa alguma tem consciência

Pluma não tem pecados

Sequer conflitos

Pluma, pluma e leveza

Que tal ser pluma e não ter passado

A pluma é assim beleza sutil

Que não se precipita nos rochedos

Pluma, brinquedo que não se quebra

Que não tem ossos

Que não morre

Que não murcha como as flores

E quando se molha se esfiapa

Mas vem a brisa e a deixa sequinha

Pluma tem música sem que tenha ouvidos

Desprovida de cérebro, não sabe o que é saber

Ou lembrar

Ou esquecer

Quase caleidoscópica, pluma nem reconhece cores

Ah, ser pluma

Atrever-se a ser não sendo

Perdida pluma que nunca estaciona

Que nada é e que em coisa alguma se transforma

Para quem tanto faz como tanto fez

Indiferente pluma, voa de costas

Côncava liberdade sem convexo

Coisa absurda, nem viva e nem morta

Sem nexo

Pior, sem sexo

Lisa tal bunda de anjo

Nem é possível dizer se pluma é morte ou vida

Pluma não tem história

Não tem representatividade

Identidade

Absolutamente tem memória

***

Querido poeta Hermílio Pinheiro:

meus versos se sentem felizes e ganham mais significado com a presença dos seus.

Olvidar-se (poema de Hermílio Pinheiro)

Esquecer-se tal como desvanecer-se

Aniquilar-se

Como na pedra a onda a findar-se

Esquecer de esquecer-se

E como a nuvem se desintegrasse

O espírito desincorporasse

Ao ver-se face a face

Em desenlace

E já por não mais ter

Do que esquecer.