BOCA
essa intensa eterna vontade de não ser.
essa profunda vocação para o torto.
o torto me atrai. o confuso, o difuso das luzes apagadas derramadas pelo chão.
o parafuso que não encaixa, a peça que não tem encaixe, o solto.
do amoníaco de augusto, do fétido e do ridículo. do inferno de sartre, da mulher que não é, mas se torna, eu NÃO SOU.
violenta vontade de abrir a boca e deixar rasgar todos os dentes pro escuro e saltar. me soltar dentro disso que eu nãosou.
saltar dentro de mim e sumir afundada afogada nas minhas entranhas vermelhas, sangrentas, chorosas, profanadas pelo ácido mundo que me ingere.
antropofagia.
o mundo me engole
eu engulo o mundo
e da ordem do discurso aos versos íntimos sem ideologia que brotam do cemitério enterrado no meu coração, nós nos tornamos o que não somos.
eu, meu oceano incompreendido, meu barco desolado, onda do mar que bate em movimentos repetitivos nas pedras do cais.
lido com a morte como o futuro lida comigo. as rugas nascem nas minhas mãos como raízes de árvores centenárias que tragam o solo e fundos terráqueos.
o ser e o nada.
o horror.
a náusea
eu sou como o verme que à vida declara guerra,
anjos.
de tanta rutilância, carbono e amoníaco, embriaguei-me de enjoo e apatia.
um brinde,
ao
que
não
sou.