tarde de sábado
tarde de sábado sentimental:
a tristeza é uma faca
com a qual ataco meus amigos
com telefonemas inoportunos.
Meu primeiro amor está morto
em um país estrangeiro,
Mozart idem
e talvez eu também esteja
um pouco morto aqui
na minha sala de estar.
É curioso:
quando tudo parece bem,
perfeitamente solucionados
os problemas de encaixes
do cotidiano,
me sinto vazio,
mesmo desesperado.
Derramar um pouco de vinho
no chão da sala e rir
em meio a alguma música escrita há mais
de 50 anos atrás
não parece amenizar
a dor
Nesta tarde de sábado.
O poeta é um fingidor
igual a qualquer outra pessoa
deste mundo
com entranhas cozinhando
comida, sangue e ilusão.
A dor talvez seja a única democracia
do mundo, porque se sentir especial?
Não me sinto,
especialmente nesta tarde de sábado,
quando parece que os reis magos se perderam
no caminho e resolveram voltar para casa.
Olho do oitava andar:
as pessoas parecem indiscutíveis
em ações corretas e sensatas,
o trânsito flui com lógica,
até os cães vadios estão serenos.
Há tristeza nessas pessoas
como há em mim
nesta tarde de sábado?
Pergunto a Tchaikowski, ele me diz que sim,
olhos as fotografias dos livros de histórias,
elas me dizem que sim,
encaro os olhos dos que chegaram ao fim da linha,
eles me dizem que sim,
para a Bíblia não pergunto
porque já conheço a resposta.
A compaixão inesperada
como seu corpo sendo coberto
por alguém
enquanto você adormece congelando
na enfermaria,
vozes que podem susurrar nas
orelhas de Deus
que nos ajudam a continuar,
o milagre possível em todo
canto, como o bebê risonho
dando a este mundo outra chance,
o grito do amigo preferido
no seu portão,
o mendigo que te surpreende dizendo
não se entristeça, amigo,
te fazem quase acreditar que a
tristeza é passageira.
Mas será?
Joga fora esse poema, menino